top of page
Buscar

Aforismos de carnaval

  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • 28 de fev.
  • 5 min de leitura

Há algo como uma maldição, de fato, ou o nível das combinações aleatórias cósmicas materialmente possíveis gerou o maior fenômeno da probabilidade estatística em todos os tempos e sempre (sempre, sempre; sempre) que eu preciso entrar em uma fila ocorre alguma peculiaridade que a torna mais demorada (dada alguma exceção particular de difícil solução)? Sou como o sujeito ideal para estar à sua frente em um caixa de supermercado, ilha de atendimento em recepções ou baia de esclarecimento de dúvidas quaisquer: chegada minha vez, efetuo a compra, peço a informação, aciono o serviço e assim que tudo resolvido, tomo meu rumo. Historicamente (não sei precisar o momento do advento, mas eu era novo) as pessoas à minha frente portam particularidades, casos de vida ou morte, pai na forca, questões que parecem ter derrapado para a calha lateral do sistema usual de funcionamento de qualquer coisa imaginável e precisam que se tome tempo, se chamem outras pessoas, se verifique ou investigue algo inusitado ou testam a pessoa que as atende no limite de algo (pela primeira vez na vida do trabalhador) que está altamente fora de qualquer protocolo de rotina que se resolveria entre bocejos e rádio ligado. Sempre.


**


Porém não descarto a questão de comprar banana caturra no supermercado e ou de eu mesmo escolher o mamão capixaba maduro - mas com alguma nuance de verde (para durar mais) sob os próprios olhos. Sou a prova viva de uma resiliência que mescla tons pueris com algum tipo de beleza de ideal, no instante em que jamais poderia me adaptar a um modelo de vida-consumo inteiramente pautado por aplicativos e entregas domiciliares.


**


Claro, a maldição - ou o incrível funil de improbabilidades cósmicas repetitivas - que me assola não desiste fácil. Precisava trocar uma passagem de ônibus que adquiri pensando ser para terça-feira, mas, dado o automatismo do costume, comprei para segunda (como usualmente o faço quando a segunda em questão não precede a terça 'de carnaval' que é feriado e me fará trabalhar em frangalhos apenas na quarta feira 'de cinzas'). Pensava ser uma troca simples agora que a compra é feita por pagamento em pix em sistema eletrônico com login no site da própria empresa. O site estava demonstrando instabilidade. Havia dois whatsapps disponíveis - curioso - sendo que um indicava "atendimento robótico" e outro "atendimento humanizado". Não preciso dizer em qual fui reto visando agilidade e efetiva resolução do problema. O humano estava dando um cochilo e quem estava cobrindo a vaga era o robô, mesmo. Ele me deu 8 opções e em nenhuma delas resolvia um problema (simples, em se tratando de passagens rodoviárias). Havia um telefone 0800 disponível. Liguei e abandonei o robô lá. Ele me deu três vezes bom dia das 09h da manhã até perto das 11h55min e depois perguntou em qual nota eu avaliaria seu atendimento.


**


A moça que me atendeu disse que poderia resolver o problema ali mesmo com meu CPF (o CPF usado para a compra da passagem) a menos que o sistema estivesse____: estava (não sei o que ainda). Obviamente meu caso se enquadrava na exceção da exceção da vírgula da coisinha que infelizmente 'não estarei conseguindo' e. Sob um bafo de 38º, fui até a Rodoviária (na data em que cheguei de viagem faltavam 3 minutos para a meia noite e os guichês de atendimento que ficam abertos até a meia noite arredondaram seu horário de fechamento e eu não pude resolver o problema ali mesmo na hora).


**


A pessoa antes de mim na fila queria estudar, ao vivo, qual passagem e horário compraria para uma determinada localidade para que então pudesse pedir ao motorista que a deixasse em algum trevo de acesso que não configurava uma parada oficial da linha em questão. E o fazia pedindo ajuda de um incrédulo, depois solícito, pelas tantas aflito e, ao final, totalmente puto, atendente, em uma milonga que durou algo como 15 minutos (obviamente era o único guichê com apenas uma pessoa em atendimento em contraste com todos os outros abarrotados em filas suarentas - e obviamente meu descuido - e a maldição - me guiaram de forma magnética para esse).


**


Na volta passei em um supermercado e a fila (novamente, a armadilha: curta) fora completamente anarquizada pelo vai e vem de dois sujeitos cobertos de purpurina e com louros dourados de papel - estilo imperadores romanos - que estavam excitados e risonhos demais para um carnaval meio xoxo nessa Porto Alegre que boicota sistematicamente a festa, nos últimos anos, e pareciam abusar da boa vontade da moça do caixa ao ir e voltar com produtos e pesagens que foram esquecidas de serem feitas. Ocorreu algo como três vezes.


**


Peço arrego ao universo - ou à matemática impiedosa - e atesto que por hoje já estourei minha cota.


**


Beba água entre as doses de alcoólicos. Idem: uma água de coco gelada para o antes de dormir e o pré-escovar os dentes é algo que adquiriu uma intensidade quase religiosa para mim.


UM LIVRO: com todos os problemas e visões que outrora já me empolgaram em frenesi - e hoje vejo muito pelo lado crítico e meio realista/pessimista (como se fossem uma espécie de bobo-alegrismo que encobre a podridão), mas com uma (em maioria, certamente) percentagem que gosto, quero, assino em baixo, a biografia da cidade do Rio de Janeiro (é assim que a chamo) "Carnaval no Fogo", de Ruy Castro é uma das leituras mais divertidas que se pode fazer. Aproveite o embalo da festa.


UM DISCO: Lá em casa, desde pequeno, sempre se cultivou a tradição de escutar os sambas-enredo das escolhas do Rio de Janeiro para assistir aos desfiles já sacando a proposta e as melhores músicas. No meio dos anos 90, já na era do CD-Player, todo final de ano adquiríamos o disco respectivo do carnaval vindouro, e formamos uma pequena coleção. Uma prova de que não é possível chamar os sistemas atuais de streaming de verdadeira substituição de nada - e de que a magnitude da internet é falível - é que não há, catalogados, esses discos (alguns, pela capa, me recordam exatamente minhas faixas preferidas), de modo usual. Fui tentar escutar alguns deles e virou uma espécie de caça ao tesouro para além dos mais famosos da década que são arroz de festa em coletâneas. Humpf. Queria ouvir dois específicos da Caprichosos de Pilares ("Samba sabor chocolate", 1995 e "Negra origem, negro Pelé" de 1998) e me senti o arqueólogo Indiana Jones.


UM FILME: havia tempo que não abandonava vigorosamente um filme como "Pequenas coisas como estas", de 2024, com Cillian Murphy no protagonismo (nada errado com ele, mas inclusive com seu personagem mosca morta e cujo carisma parece ter sido sugado por um buraco negro). Não é que dei stop e deixei o filme para lá. A chatice era modorra eram tantas que meu abandono talvez tenha feito barulho, como uma porta fechando com violência. Orgulhosamente não sei como termina aquele resto de 60% de história mais ou menos faltante.


ps: quero ver "O Brutalista" e o filme do Bob Dylan, talvez semana que vem tenha boas notícias nessa sessão do post.

 
 
bottom of page