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  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • há 2 dias
  • 10 min de leitura

Essa foto acima, que encabeça a postagem, foi copiada de uma manchete do site de uma agência de notícias e tinha a seguinte chamada: "Senador interrompe CPI, elogia 'pré-treino' de Virgínia Fonseca e pede vídeo da influenciadora"


Sim, como parte de um triste capítulo daquilo que (a palavra é feia e compõe um neologismo meio bizarro, mas, igualmente, exata) parece a cada vez mais inimaginável merdificação geral da internet brasileira, o parlamento está (supostamente) interessado em investigar o fenômeno da atuação de influencers e outras personalidades do calibre (...) nos esquemas visivelmente salafrários das bets e outros elos de ladroagem e pirâmide que assolam o espaço virtual e as redes sociais, naquele poderio tão gigante que se pretende imperceptível por ironia, como espécie de estágio normal de estagnação a ponto de esquecermos como o mundo existia sem isso.


Eu não quero que a frase que escreverei em seguida seja lida como uma espécie de declaração moral de superioridade patética, nem como um sinal luminoso de que eu quero emular (46 anos completos na quarta-feira dessa semana) a figura lamentável do homem que brada nostalgias caricatas sobre o "seu tempo" ou sobre "antigamente", nem quero simbolizar que sou mais elevado porque tenho preocupações intelectuais ou midiáticas maiores. Eu quero justamente discuti-la.


Aqui vai: eu (juro por tudo o que há de mais sagrado se é que há) simplesmente não sei quem é Virgínia Fonseca.


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Claro. O nome de Virgínia já circulou pela minha frente em várias cyber andanças. e dizer que tenho um total de 0% de informação sobre a pessoa é matematicamente falso. Mas, acreditem (ou não) sei pouquíssimo além de alguma coisa vaga a respeito de ser uma influencer, que ganha (aparentemente) bastante dinheiro fazendo publis e que tem sua vida atrelada de modo inarredável daquilo que compõe como sua persona internética. Fora isso, nada: vi o rosto e a cor do cabelo dessa moça essa semana, somente (informações rápidas - se não estiverem erradas pela péssima alimentação atual das respostas sugeridas pelas inteligências artificiais dos buscadores da web - dão conta de que ela vende e sugere produtos e técnicas de maquiagem, idem).


Não sou melhor do que ninguém por isso (embora eu adore o meme característico de que volta e meia alguém reclama sobre o fato de que "tudo o que" se vem a saber sobre certa pessoa/algo "é contra a minha vontade"). É um relato sincero: não uso o Instagram (hoje por uma certa convicção de não colaboração com esse ciclo macabro de frenesi e ansiedade artificialmente criada no planeta, mas, no começo, apenas porque não queria mais uma rede social) e não tenho o costume de assistir o YouTube como se fosse a televisão, a distração ou o rádio ligado perenemente para ninguém ouvir, por vezes, na casa da vó. Meus caminhos usuais não cruzam com os de Virgínia e na parcela de acaso que falta em relação a um eventual encontro, ela não 'gera' o tipo de 'conteúdo' que me interessa. Parece impossível, mas é simples assim.


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Virgínia é parte de um extrato de pessoas que compõem ao mesmo tempo o exemplo mais eficaz do que acontece em termos de um dos fluxos mais rentáveis do capitalismo atual e o exemplo mais sinistro da mesma maldição que o acompanha: é um ícone vivo de uma vida pautada em um tipo de lógica de financeirização total e irrestrita que nem o caricato e trágico personagem do Matthew McConaughey em sua rápida participação em "O Lobo de Wall Street" (e sua sugestão de ingresso na torrente do mercado imobiliário que culminaria com "se masturbar pensando em dinheiro") poderia supor nos frenéticos anos 80 dos yuppies onde tudo começou a ficar especulativo e abstrato (não só os lucros e investimentos empresariais): há uma necessidade simbiótica tão alarmante dessa gente com uma mistura potente (e fatal) de vida privada, com vida pública e a exibição da ausência dessas fronteiras nas redes sociais que tudo em relação a ela precisa virar material e/ou ter ares de live sob pena não dela deixar de aproveitar chances, mas sim dela simplesmente desaparecer. Morrer. E em um sentido menos figurativo do que se possa pensar. Cada minuto da existência vira capital.


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Na obra que definitivamente não inventou o termo "cyberespaço" (essa façanha é creditada usualmente ao conto "Burning Chrome"), mas naquela em que o mesmo autor, William Gibson, lhe configurou o desenho definitivo e marcado culturalmente, "Neuromancer", o personagem principal, Henry Dorsett Case, é um proto-hacker (quando ainda a palavra - ou profissão - não bem existia, do mesmo modo) que tem um grau de vício/problema neural na conexão em rede de tal modo que a proibição/punição legalmente (e quimicamente) imposta a ele quanto ao uso de suas habilidades está o fazendo definhar - o que vai ser neutralizado temporariamente pela sua contratação para serviços escusos e um tanto misteriosos por um grupo de pessoas idem que o "desbloqueiam". Mas o interessante na obra é um jogo conceitual que foi amplamente imitado de forma grosseira em "Matrix", de 1999, quinze anos depois: em um nível de transferência de consciência para esse cyberespaço imaginado como uma dualidade, à época, quase mística, de interação, a morte, nesse lugar, acarreta a paralisia das funções cerebrais reais, e o sujeito morre de fato.


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Ano passado, após o suicídio de um dos primeiros grandes youtubers do Brasil, PC Siqueira, ponderei algo que considero valioso para algumas discussões sobre o tema na atualidade: PC iniciou sua carreira - que cerca de apenas 5 anos antes seria uma coisa que jamais poderia ser chamada de, nem teria o desenho efetivo de uma, o que é muito chocante - gravando vídeos que ironizavam a própria condição de desajeitado, tímido (e estrábico) em uma rebarba de uma febre que varou a cultura pop na virada do milênio e transformou o conceito padronizado de nerd, de alguém aplicado em termos de estudo, fracassado socialmente, e dotado de um visual terminantemente datado e anti-sexy, em uma espécie de deprimido-cool munido de algum tipo de charme tristonho pelo próprio desarranjo, e tendo como matéria prima comentários vazios tal como haiku sobre a própria baixa autoestima.


Em um passe de mágica e timing, um rapaz sem qualquer estudo nem condições usuais se transformou a partir de um fenômeno que cobrava paralelamente um tipo de alimento tal e qual o da tolerância química entorpecente no organismo. Se tornou legitimamente influente (sobretudo no campo cultural e até político-partidário), e aproveitou benesses materiais e afetivas típicas da fama, porém, foi um dos que massivamente em nosso país inaugurou um tipo meio bizarro de dinâmica onde seu 'trabalho' consistia, nuclearmente, em dispor sua vida pessoal como motriz e tanto quanto como produto, em uma lógica com a qual todos nós já nos acostumamos, porém nunca deixarei de achar estranha: sai de cena o cantor ou a atriz que capitalizam sua fama e appeal em comerciais, entra a pessoa que simplesmente parece mais autêntica ao publicizar seu cotidiano de forma a receber dinheiro - e mais atenção, e, assim, mais dinheiro - pelo simples fato de exercer um tipo de personagem confuso de si mesmo.


Nada que já não vemos bastante em todo lugar, com um componente macabro, porém: ao ser envolto em uma acusação um tanto caótica sobre eventual preferência sexual pedofílica em 2020 a partir da divulgação de mensagens trocadas com um amigo (onde ele relata uma situação um tanto grotesca e inusitada, e um teor de excitação sexual a partir dela), e de uma explosão de especulações típicas do maquinário de ódio internético (onde ele mesmo trafegou com galhofa e segurança nos anos anteriores, sabendo capitalizar hating como um ás), que amplificam tudo de modo imparável, a casa caiu. Como um Dorsett Case bufo, PC morreu no ambiente virtual da conexão. Desligaram a máquina de sua capitalização com uma velocidade incrível e previsível e ele basicamente não tinha mais nada a não ser o interesse negativo gerado e o ódio que, em certas doses, é combustível formidável para quem atua nessa seara - mas em outras não.


Era uma questão de tempo até haver a morte (real) de alguém que basicamente tinha (em sentido metafórico e também palpável), todas suas fichas distribuídas no mesmo número da roleta: se para os teóricos do neoliberalismo enquanto racionalidade, em seus dias mais clichê, vivemos uma era onde as pessoas são empresárias-de-si-mesmas em uma lógica de capital especulativo e em uma economia-política que pauta o âmbito relacional a partir desse mesmo tom financeirizado-abstrato tal uma bolsa de valores de todos os aspectos da existência, e onde há uma mistura nociva e perversa entre as (ou a ausência de) fronteiras que dividiriam vida, trabalho, afetos e interesses, é possível dizer que PC foi liquidado na sua única fonte de reserva e vetor de energia. Massa falida.


O que se seguiu de sua vida internética (em sentido direto: a única que realmente tinha) foi um ato triste tal um apêndice da mesma história - com ele transmitindo em lives brigas histriônicas com a namorada e devaneios motivados pelos abusos químicos (em uma estratégia que, mesmo ela, se bem utilizada, pode render frutos variados nesse universo meio aterrorizante). Com o risco de parecer um piadista de mal gosto, mas com o perdão pela reflexão dentro do argumento, a única coisa que faltou foi a transmissão via Reels de seu enforcamento. A morte física acompanhou a (me arrisco a dizer, verdadeira, em seu caso) morte em termos de obscurização imagética.


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Então. Virgínia.


É muito difícil para mim conjugar a constatação rasa e primária de que essa gente 'não trabalha' com o fato de que, além de o que fazemos na web, especialmente nas redes, é legitimamente trabalho (e com tons bem lucrativo para alguns - para quem só se contenta com equivalência monetária direta).


Muita gente ficou criticando a postura de Virgínia, por horas denotando um profundamente lamentável vazio de personalidade e postura para quem tem tanta inserção midiática, por outras, atestando a questão de que não há prego sem estopa ali em termos de não se complicar diante de um esquema absolutamente criminoso de estímulo a apostas mediante métricas obscuras e que preveem bônus para a garota propaganda em caso de ser satisfatória a equação entre novos apostadores versus derrotas (que significam endividamento e deterioração de patrimônio familiar - além de uma série de consequências igualmente nefastas que chegam a reboque).


A mim - que (com quase certeza) estava associando nome à pessoa com rosto, pela primeira vez - veio o pensamento que me assombra há um bom tempo já: para além do ridículo desse bando de gente que supostamente vive sua vida cotidiana como fonte de interesse alheio e, a partir disso, 'produção' laboral (como um contraponto à falta de espontaneidade da já decrépita lógica da 'celebridade' em 'comercial' - o que também é irônico dado que o global do que se faz em termos instagrâmicos e estéticos hoje em dia acabou sendo autorreferenciado, e tudo, menos natural), a questão de que eles precisam, essa lógica toda precisa, tal oxigênio ou moléculas de água, de um componente singelo. Nós.


Acho estranho que as pessoas sigam pensando que criticar uma pessoa como essa no campo de atuação onde (quase) tudo vira energia consumível por ela na forma de energia drenada de estar em evidência - as redes sociais - surte algum efeito que não o de engrossar a massa de trabalhadores, assessores, marketeiros, e mesmo advogados dela. Trabalho. Comentários na rede, likes, hates, "compartilhar", esquentar o assunto, fazer virar trend, preencher na aba de pesquisa: absolutamente tudo isso é trabalho, no instante em que há algo sendo extraído, há algo sendo valorizado, há alguma ponta da tabela ou da corda onde se pressente até um barulho que indica moedinhas brotando sob a forma de conversão das capitalizações variadas.


"Só se fala em". Sim. Você fala.


É mais ou menos como a questão do engarrafamento, onde o sujeito sempre se crê "preso" no engarrafamento, como uma ameaça ou maldição exterior que recaiu sobre ele, e não como um dos compositores do engarrafamento na medida em que é mais uma pessoa que teve a ideia de se embretar em uma via com outros 430 veículos no mesmo fluxo.


Virgínia tirou selfies com parlamentares e desfilou um cinismo meio infantilizado ao dar seu depoimento, em que apenas os flashes de relance que pude assistir denotaram ela colocando a grande habilidade que aparentemente possui em prática: viver mais um episódio de sua (alegada) vida corriqueira de modo a estudar a melhor forma de expor isso em termos de capitalização. É algo diferente e ainda mais engenhoso do que quando, por exemplo, Luciano Hang, o "Velho da Havan" compareceu a uma CPI trajando um esquisitíssimo terno verde e amarelo que o fazia parecer algum vilão menor do Batman e claramente usou a presença na transmissão como forma de diversionismo político e impressão de imagem pessoal. Hang é um empresário que usa a imagem e o buzz midiático. A empresa (ao mesmo tempo que seu capital, seu "maquinário" e seu produto, em uma trindade assombrosa) de Virgínia é esse buzz.


Não tenho muita saída para esse labirinto, mas se pudesse chutar algo no calor do momento, diria que há que se perder completamente a sensação falsária de uma certa "alienação" causada por não se fazer qualquer ideia de quem são algumas figuras como essas, da mesma forma que os envelopes e pacotes de produtos ostentam com algum orgulho o selo de 'orgânico' e livre de agrotóxicos. Ou, ao menos, que se descubra o que, ou em que grau, vale à pena (com algum ganho em termos de retorno) você abrir mão de um black-out de informações a respeito de coisas que não importam. Não sucumbir à tentação da fofoca de consumo imediato. Legar algumas doses de ostracismo a idiotas.


É hora de não sabermos nada sobre algumas coisas e pessoas - com o uso intenso de nossa vontade negativa de.


UM FILME: poucos filmes são mais densos e tristes (aviso: há uma carga inerente de monotonia no andamento) do que um dos primeiros retratos certeiros (sem alarmismos ou olhar cringe de boomer) da geração que expõe (auto)imagem, se comunica, troca experiências, medos, fotos, links e desejos pelos fóruns de web do que "We're All Going to the World's Fair", estranha e peculiar - além de cheia de personalidade - experiência de Jane Schoenbrun que é supostamente um início de trilogia que conta com o incensado "I saw the TV Glow" no meio e com uma vindoura produção em fechamento.


UM DISCO: estive em Fortaleza pela primeira vez no final de semana passado e pude ver um show de um dos meus ídolos, Chico César, acompanhado de uma banda magnífica, repassando seus sucessos confirmados e arriscando músicas novas e covers bem escolhidos. Vá de "Aos vivos", o curiosamente primeiro disco de Chico (ao vivo, antes mesmo de algumas do material terem versões lançadas em versão de estúdio), que recentemente completou trinta anos!


UM LIVRO: não sou um grande conhecedor da obra posterior de William Gibson passada a "Trilogia do Sprawl" e me arrisco a ser óbvio ao dizer que "Monalisa overdrive" e "Count Zero" perdem bastante potência quando comparados ao monumento chamado "Neuromancer". Mas para além de chavões e apostas manjadas, se você não leu, recomendo. É o tipo de coisa canônica, que deixou uma série interminável de imitações que não arranham sequer a genialidade original. Não apenas um gênero, mas toda uma mitologia e um padrão "oficial" foi inventado ali, literalmente. Não existia (ainda) a maioria de coisas sobre as quais Gibson escreveu sobre.





  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • 9 de mai.
  • 7 min de leitura


Cansado.

Estou cansado.

Afirmação válida para qualquer dia em que você estiver lendo isso, eis que, embora o 'futuro a deus pertença', estimativamente é o que se pode dizer, dado que estou sempre cansado.


Eu estava altivo, divertido e falante quando nos encontramos? Enganei você (opcional: inserir um "Rá'" antes da frase). Eu estava cansado.


Isso não vai virar uma ladainha a respeito de uma suposta inversão de valores onde eu ser alguém que experiencia o pleno emprego e que tem saúde nas pernas, em pleno 2025, pareceria algo supostamente ruim ao invés de bom, mas: por deus. Corro demais, viajo demais, trabalho demais e durmo de menos.


É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim disso? A frase já é famosa, mas vou agudizar ela: no que até uma hipótese de ter que se virar em pleno apocalipse soaria mais lógica, justa e (sob certo aspecto) faria mais sentido, do que a vida 'normal'?


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Escrevi algumas linhas similares às abaixo redigidas pouco mais de um ano atrás, quando ainda usava o Twitter. O direcionamento explícito da plataforma e seu dono me fez abandoná-la ano passado depois de 14 anos de uso ininterrupto, e mesmo de vistas grossas quanto a direcionamentos não assumidos, mas bem evidentes, e cada vez maiores problemas que o veículo em si estava demonstrando.


Como estamos às voltas com a 2a temporada da série "The Last of Us" (objeto da reflexão, à época), e como mencionei isso esses dias de relance no Viracasacas e, ainda, como acho isso pertinente demais para ficar apenas numa timeline perdida de um site bizarro, aparo algumas arestas dos posts, agora em um formato deluxe, (ou reboot) na forma de texto. Eis:


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Não sei vocês mas quando vejo/leio ficção sobre essas hipóteses (frequentemente parecidas em termos de clichês e aspectos) de "fim do mundo"/zumbis/gente vagando a esmo/prédios cobertos de folhagens e carros enferrujados silenciosos pelas ruas, me permito sentir uma coisa que alguns vão achar meio bizarra, mas ok, lá vai.


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(...) Doutor, esses pensamentos se manifestaram, por exemplo, quando, há muito tempo, li "A estrada", de Cormac MacCarthy, 2006, e quando vi o filme baseado no livro, de 2009 - que podem ser descritos como parecidos com o mote central de "The Last of Us", embora mas bem mais sombrio e pessimista. Os autores do jogo e colaboradores-desenvolvedores da série televisiva usaram "A estrada" como uma das referências sobre o tipo de mundo pós apocalíptico que queriam exprimir, segundo consta, inclusive (...)


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Embora tenha sido marcado demais quando criança pela adaptação para filme dos quadrinhos do "Akira" e pelo visual de uma ideia de século XXI tal como em "Blade Runner", e de ser alguém que cresceu entre a possibilidade latente de uma guerra fria virar quente - ao nível de derreter a todos (outro filme maldito do período é o vaticínio "The Day After", 1983, que sugeria como seria um cotidiano de um conflito nuclear onde os famosos "botões" automáticos foram apertados pelas grandes potências. Traumático) e as profecias de Nostradamus interpretadas no Fantástico, domingo (aquilo dava medo, e não raro eram especulações que sempre giravam em torno do tema do "fim dos tempos"), eu sempre vivenciei uma espécie de simpatia - quando não um tipo meio mórbido de atração, por aquela hipótese de sobreviventes-fazendinha. Um armagedon meio kolkohze, um tipo de chacrinha comunitária imposta pelas condições, digamos. Ou mesmo a pura e simples ausência de compromissos que não relativos ao que interessa estritamente a necessidades e interesses tácteis que são genuínos, naturais, fisiológicos. Evidentes. Cut the crap.


Inclusive é um dos motes-ideias que permeou minha tese de doutorado (dá pra baixar o livro que se originou dela aqui mesmo, nesse site): a versão do conceito individualista-contratualista e mesquinho do que muitos entendem por 'liberdade' hoje em dia (espécie de pista livre para que corram direitos que não correspondem, jamais, a deveres) prevaleceu tanto sobre outras faces e vivificações da palavra que, para visualizarmos laços de irmandade/comunidade seria necessário as pessoas experienciarem coisas da magnitude de uma catástrofe extrema (algo que a pandemia tristemente desmontou em larga medida, eis que, alguns, nem no câncer - como diria o Otto Lara Resende metafórico da cabeça de Nelson Rodrigues - nem na maior catástrofe - estilo vilão milionário fugindo do Titanic com um chumaço de dólares no bolso e foda-se. "Foda-se a vida").


O fato-hipótese é: você não sente (em alguma, ainda que mínima porcentagem) uma certa inveja de personagens que possuem como única e exclusiva tarefa diária trabalhar pela própria sobrevivência, ajudar de forma direta seu grupo, e proteger/ser protegido pelos seus amados(as)? Fazer algum tipo de trabalho que corresponde a uma obrigação útil e visível pela continuidade da comunidade onde você se percebe, assim, inserido de forma real, carnal? Ter alguma responsabilidade que se reverte em algo palpável e decididamente crucial? Mesmo quebrar as costas cortando lenha (desde que ela sirva para fortalecer um muro que vai ajudar a todos, ao invés de ser vendida de forma a te retornar uns míseros trocados que servem para pagar o aluguel), ou mesmo acordar cedo no frio (para pastorear animais ou cuidar da horta que vai prover comida imediata), aliás, como todo mundo ali, idem, sem divisão classista, puramente?


A quantidade de broncas, empenhos, tarefas e obrigações que temos, por dia, por hora, por minuto, que são atenção às questões de outras pessoas e que não revertem em nosso prazer, bem-estar, e melhoria (em algum aspecto), é bastante deprimente (e injusta, até).


Nas visões marxianas - e marxistas - da alienação do trabalho cotidiano que se tornou corriqueira em várias matizes em nossa vida (para além da noção formal de trabalho enquanto 'emprego', chegando a outros aspectos de uma cadeia 'produtiva' onde 'trabalhamos', incessantemente) e na abstração máxima representada pelo dinheiro (que deixa de ser uma representação de qualquer coisa para se tornar o valor e sua medida, em si, e vira objeto fundamental sobrepujando o que quer que seja que ele visava significar, enquanto troca), um buraco basicamente incontornável: a desconexão com a razão de tanto labor e o ausência de visibilidade de um 'resultado' (cada vez mais rarefeito e afastado da hipótese básica) nos mantém na roda por um critério que termina sendo, ironicamente, um tipo fake de 'sobrevivência' (enquanto sinônimo de salário) e só.


Fim do mundo/Fim do capitalismo intensifies.


Vendo a nova temporada de "The Last of Us", esses pensamentos voltaram: não há trabalho alienado e não há dinheiro na cidadela no meio do Wyoming onde parte dos sobreviventes se encastelaram numa comunidade digna em que há divisões de patrulhas, tarefas, funções de gerência e a corporificação de ideias como as de trabalhar todos, na medida do possível, produzir em conjunto, distribuir o que tiver que ser e oferecer/cobrar empenho num esquema que é pautado, na menor hipótese, pelo binômio necessidades/capacidades e, na maior, em um elemento muito direto: tentar evitar que todos morram.


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Talvez haja um furo aqui no instante em que isso poderia significar algum tipo de organicidade compelida pelas circunstâncias (bem, é isso ou, enfim: zumbis contaminados por fungos) e nada mais. Porém: uma sociabilidade - e um trabalho - mediados por um critério orgânico de sobrevivência literal e por uma estrutura funcional que dê conta disso já parece melhor sob vários aspectos do que uma verdadeira selva de cinismo egoísta onde nem isso, por vezes, impõe a alguns a realidade de que integram o mesmo time em algum grau. Fora que: o trabalho cansativo, exaustivo, como um saco sem fundo para depósito de energia, cujo resultado (fora o dinheiro do salário) você não vê e não sente qual o grau de sua real utilidade e contribuição, não é, ele, mola propulsora de nada mesmo.


Do mesmo modo, dizer que em uma realidade dessas vai haver apenas um regime de colmeia automatizado militaresco, e que relações de afeto e solidariedade in natura não podem ser facilitadas e desenvolvidas a partir de coisas como reconhecimento, pertencimento e trabalho frutífero, conectado diante disso, ser a tônica da permanência de todos ali, é também um tanto quanto irreal - em hipótese (deixem a possibilidade de fungos e zumbis longe, por hora).


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Há uma cena em que a única psicóloga local, que oferece o único e melhor serviço que pode oferecer diante de sua potencialidade laboral - e o faz em troca de maconha - assiste um arremedo de jogo de baseball entre as crianças locais. Penso muito nisso porque (1) é uma cidadela no meio do apocalipse, como assim, baseball? e (2) é uma cidadela no meio do apocalipse, então, em momentos de folga, baseball, sim (embora jamais tenha conseguido compreender esse jogo).


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(No Twitter, à época, apareceu um hater ou algum desses reply guy infelicíssimo que sugeriu que eu estava querendo meter o atestado naquela semana e por isso mandei o papo de que um 'apocalipsezinho seria uma boa', e, ora, onde já se viu)


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O fato é que o que no mundo de "The Last of Us" soa como 'outro planeta' não é tão mais a presença possível de monstros do que a inexistência de medida-dinheiro e de trabalho nos moldes alienados que tristemente normalizamos. Chega a ser irônico como zumbis e outros perigos 'exteriores' são fáceis de imaginar com uma certa dose de realismo. O resto, chega a parecer que não.


Enfim.

Cansado, sabe? (já falei?)


UM LIVRO: fique com o do McCarthy referido ali em cima. Assim: não é exatamente alto astral, já aviso (mas lembro que, em um pique parecido com o que aqui expus, lembro de ler um cara comentando na internet que tinha inveja do personagem por ter tanto tempo livre para ficar com o filho. Mais um que hipoteticamente precisaria de um fim do mundo para realizar um desejo que devia ser simples).


UM DISCO: o Pink Floyd lançou uma versão nova e remasterizada - e agora como disco, em áudio, nas plataformas - do seu show em vídeo famoso "Live at Pompeii". Quem poderia ter a ideia de gravar um show para 'ninguém' em um picadeiro em meio aos escombros romanos da Pompeia devastada? A banda que nos anos 70 estava às vésperas de lançar o "Dark Side of the moon", claro. Que grande momento viviam (não me alongo pois pretendo falar sobre isso outra hora).


UM FILME: poucas coisas são mais assustadoras e grandiosas que o fim inevitável que (literalmente) se aproxima em "Melancolia". E poucas mensagens são mais sutis sobre quem é mais capaz de assimilar isso com uma calma comovente. E poucos filmes são tão bonitos de um jeito que flerta com o perturbador.





  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • 2 de mai.
  • 9 min de leitura

Havia um sem número de lendas no que diz respeito à atuação do meu avô, Ivo, durante a enchente de 1941 em Porto Alegre, nas imediações do 4o Distrito: uma delas conta que ele e amigos ajudaram a subir mantimentos e utensílios de um depósito (às vezes um estabelecimento comercial, por outras uma casa, havendo vezes que o cenário era a própria sede social do clube Gondoleiros) para o segundo piso para salvar os itens da inundação, e que, posteriormente ao trabalho findo, ele teria saído dando uma 'ponta' da janela diretamente para o meio da Avenida Presidente Roosevelt, repleta de água como uma piscina olímpica surreal - gigante e opaca. Meu avô, tal um Tarzan urbano, de calças curtas e sem camisa, completando a imagem heroica. Era uma figura mental composta de trechos simulados com uma ideia meio pixelada que eu tinha em mente do meu avô jovem, que por vezes se misturava de forma desconexa com o rosto dele mais velho das fotos que povoaram minha infância. Até que surgiu em meio a outros registros familiares há muito guardados, a foto que ilustra tudo tão bem que chega a tornar verosímil o que nela não está, como um rabo, uma cauda, um resto de ideia que acompanha uma imagem congelada.


As lendas e causos relativos ao período da "enchente de 41" povoaram a imaginação de quem nasceu em Porto Alegre em algum momento do século XX, e mesmo para pessoas das gerações mais jovens ('z'?, alpha?, me perco por vezes nessa trilha) e/ou para gente de outras regiões do estado, sempre pairaram como uma espécie de mitologia meio nublada, meio irreal, por vezes a partir de um que outro chocante instantâneo do Largo Glênio Peres, no centro da cidade, junto ao Mercado Público, tomado por barcas a remo repletas de fugitivos. Impacto inicial que era seguido pela imaginação posta a fertilizar, sobre como estaria o resto do centro, de outros bairros costeados pelo rio, da cidade. As imagens sempre foram raras (e até pouco tempo tidas por indocumentadas). Sobre quanto tempo teria durado (parte de um filme apocalíptico que chega a criar mini-enclaves amorais? Trecho que constituiu uma momentânea suspensão das regras? Não foi para tanto? Mesmo a boa memória se dispersa nessas horas). Sobre como quem não tinha a disposição de rapazes fortes e heroicos para carregar mantimentos e saírem a nado teria feito para salvar seus pertences (histórias de quem 'perdeu tudo' abundam, idem).




Tudo isso parecia vir à tona volta e meia com o debate que minha geração viu por algo que parecia uma eternidade de ladainhas, consistentes na discussão de o porque de a cidade e as zonas centrais parecerem ignorar - quando não negaceiam, veementemente - o trecho portuário que é tão rentável, vistoso e protagonista em outras cidades (há uma incômoda comparação com o que foi feito no Puerto Madero, em Buenos Aires, que há muito tempo me perturba pela absoluta incompatibilidade geográfica do espaço em questão, amplamente diferente, mas cuja ideia central, de uso/renovação, assombrou prefeitura após prefeitura durante décadas desde que o empreendimento porteño virou um caso de sucesso inegável). "Atrás do muro existe um rio. E nesse rio mergulha o sol" diz uma famosa canção que leva o nome da capital no título: há um muro de concreto (não entre "nossos lábios", como em outra canção da mesma banda), entre a cidade e seu cartão postal mais famoso, fruto do medo de que um dia as águas se revoltassem e novamente invadissem o largo, o Mercado, o 4o Distrito, e uma Avenida Presidente Roosevelt já sem meu avô para salvar qualquer muda de roupa ou saco de feijão.


Não há quem não ponderou alguma vez sobre a imbecilidade de uma zona inteira de contato com as águas que banham a cidade ser isolada por uma murada que não conseguia ter graça nem com a constante exposição artística renovada de suas pinturas na parte de 'dentro': o 'fora' está vedado na medida do seu perigo. Imagens do Guaíba avermelhado do final de tarde, ou espelhando o brilho solar em dias frios e claros, em dada parte do centro foram, por muito tempo, vistas de revesgueio ou entre brechas de muros e construções que são igualmente isoladas como terreno de marinha, área restrita do estado ou propriedade privada tristemente abandonada bloqueada por grades, cancelas e guaritas. Há uma praça com um chafariz/fonte antiquíssimo na altura da Rodoviária, onde se costuma chamar de Cais Mauá, mas como se na Berlim Oriental estivesse, só pode ser vista entre as árvores e um silo abandonado, por quem chega pela rodovia e aproveita os poucos segundos da elevada antes da descida para o pátio onde os ônibus estacionam. Não se pode ir ali. Muro.


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Em 2024, a história compareceu, e o 'impossível' aconteceu: uma nova cheia do Rio Taquari e de outros de seus afluentes grandes, a partir de um aguaceiro pesado e ininterrupto por parte de uma noite, levou poucos dias para desembocar inteira no Delta do Jacuí - que compõe o Guaíba - e encontrou a cidade de Porto Alegre (como sói acontecer há anos e anos) desprovida de aparelhos básicos de organização, especialmente nesse quesito. Em 2023 uma chuva de proporções bíblicas também atingiu o Vale do Taquari destroçando cidades ao nível/abaixo da linha de corte do rio e de afluentes caudalosos, como Encantado e Muçum, e chegou pelo fluxo usual à Capital, que teve que acionar um arcaico mecanismo de tranca de comportas que são localizadas em locais aparentemente estratégicos ao longo do muro e de proteções similares já na parte do bairro do Humaitá. Uma delas, próxima à ponte antiga, emperrou no meio do trilho de correr e proporcionou um dos momentos mais ridículos que se tem notícia no quesito da gestão desse tipo de técnica já vistos (mal sabíamos que no ano seguinte a nova e mais potente enxurrada faria a mesma comporta emperrar novamente, antes de quebrar de vez, mostrando que o ridículo não podia ser subestimado).




As imagens - seja você de fora da cidade ou do estado - certamente correram por seus olhos de forma que não é preciso dar detalhes: áreas imensas da cidade foram tomadas por uma água marrom que atingia picos de mais de dois metros de altura em alguns lugares e fez riachos onde haviam vielas, novos rios onde estavam avenidas, córregos em becos e servidões e alterou o mapa do desenho padrão da cidade: "estamos aqui na Rua Santa Rita, na nova margem do Guaíba", me disse um amigo que estava recolhendo donativos e equipamento em um dos pontos de resgate e saída de botes salva-vidas, para me orientar sua localização, eis que eu sabia que ele estava operando no coração dos bairros Floresta e São Geraldo, área da casa de meus pais, onde morei por boa parte da vida e onde fica a mesma avenida Presidente Roosevelt, na mesma esquina com a rua Moura Azevedo onde está a, hoje reformada, sede do Clube Gondoleiros, lugar onde meu avô saltou de um segundo andar com estilo de campeão, em uma 'ponta', direto para a rua, e bateu uma foto em meio à leptospirose com amigos, sorrindo após o dever cumprido, naquela que poderia ser uma das primeiras incursões estilo blogueirinha da história da cidade, no século XX. Salvaram o dia. Tá pago. Mas: não estão rindo como quem debocha ou como quem inconsequentemente caçoa da própria penúria. Não fazem carão para a foto. Ninguém ia dar like (ou match). Riem porque vivem um momento único. Sabidamente surreal. Estão juntos para o que der e vier. Foram mais fortes que a catástrofe. Los tres amigos.


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Se quiser, faça o exercício de colocar no mapa e ver o tremendo trecho de bairro que estava basicamente submerso a partir dessa indicação (Rua Santa Rita, Floresta. "Nova margem" do rio). Não é fácil de acreditar.


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Não falarei sobre 'redenção' nem sobre 'resiliência' (tranquilamente uma das palavras por si só mais cansativas de todos os tempos, dado que evoca sempre algum discurso falsário meritocrático e cínico, quando não uma espécie de auto-ilusão mística perigosíssima). Pessoas perderam tudo o que tinham. Em áreas dos municípios vizinhos como Canoas, Eldorado do Sul e Guaíba, o cenário foi devastador e apocalíptico. Em bairros tão distantes e díspares da capital, como Sarandi (onde houve um rompimento de dique) e Guarujá (bem próximo a banhados que margeiam o rio) o alagamento foi desolador. No Humaitá, nos arredores da Arena do Grêmio, as pessoas ficaram vivendo em uma espécie de brejo por mais de um mês após a situação já começar a se normalizar em outros lugares. Isso para não mencionar o Vale do Taquari em larga extensão, com cidades que, em sentido literal, foram simplesmente varridas por um volume de água de dezenas de metros a mais do que o normal.


Quem passou por isso sabe o que viveu. Sabe o que viu. Sabe o choro que escutou, o que (e, por vezes, quem) nunca mais se achou. Sabe para onde não voltou e, se voltou, o que encontrou (e não encontrou) por lá. Meus pais foram socorridos de barco após um desligamento de energia que os deixou à beira da incomunicabilidade e da ausência de água e provisões.


Casas, estabelecimentos comerciais, restaurantes, prédios abandonados: tudo em certas partes da cidade (no São Geraldo, lugar em que querem construir o novo mais alto prédio do estado, com discurso de arrojo e sustentabilidade estilo 'fazenda vertical' - seja lá o que diabo - e onde há - ou havia - uma espécie de polo trending de inovação empresarial, por exemplo, é muito evidente) lembra a tragédia que ainda não se amainou. Ruas ainda cheias de areia, marcas de barro como linhas retas que insistem em não sair da parede, mau cheiro.


Quero falar, sim, dessa estranha conexão com meu avô, com quem sou tão parecido fisicamente (se você me conhece saberá com alguma facilidade dizer quem é ele na imagem que encabeça esse escrito), que nunca conheci em vida, de quem só escutei histórias e de quem colecionei relatos. Passei a me sentir mais próximo dele por uma bizarra e estranha conexão a partir do fato de que, mesmo eu não tendo dado 'ponta' alguma para o meio de rua qualquer (embora, modéstia à parte, seja bom nadador), vivenciei um pouco da loucura que foram aqueles dias onde ele, entre outras coisas, tinha à sua disposição nada mais do que a imperiosidade de aproveitar o viço da juventude para ajudar de alguma forma aquela desgraça absolutamente impensável, alguns amigos igualmente galhofeiros, corajosos e viris e alguém maluco(a) ou vivaz o suficiente para tirar uma foto que é absolutamente histórica, pela precisão de registro do mesmíssimo local há um ano igualmente inundado, tanto quanto pela questão de que agora não sei se a lenda ganha carimbo de realidade ou se é a realidade que se curva a toda e qualquer narrativa lendária sobre aquela época que automaticamente ganha crédito.


Carreguei e descarreguei caminhões, empilhei montanhas de roupas em pallets, separei itens, fui elo de corrente de garrafões d'água passando de mão em mão, tudo estranhamente com meu avô ao meu lado. Não quero usar a palavra conforto para uma desgraça tão gigante, mas alguma coisa que ele viveu permanece, alguma coisa tristemente periga permanecer e foi como sentir a flecha do tempo passando por dentro da carne, rumo a sua direção sempre incerta. A enchente de 24 nos costurou, todos juntos. Passou pelo meu avô. Senti no instante em que passou por mim.


UM FILME: filmado em larga escala nos arredores da casa dos meus pais, quando eu ainda morava ali, "O Homem que Copiava" de Jorge Furtado é uma cândida, por vezes deprimida, por outras safada e divertida homenagem à decadência do bairro São Geraldo e das pessoas que compõem sua paisagem diária. Sempre digo que a janela do quarto da Leandra Leal pode ser vista da sacada que era do meu, o que faz com que eu pudesse rivalizar na espionagem com o Lázaro Ramos. Inclusive o apto do Lázaro, no filme fica na esquina da mesma rua onde a foto do meu avô, e a que eu tirei, acima: o prédio segue na frente da antiga sede dos Gondoleiros, e é a mesma esquina. Entre muitas locações nas quadras adjacentes, há um encontro entre eles na praça do Cais Mauá, aquela, que referi, que não se pode nem chegar perto hoje em dia. Ficou para o lado errado do muro.


UM LIVRO: muito do que sei sobre a cidade foi contada pela experiência de micro-história (ou algo que o valha) mais divertida de todos os tempos, tal um catecismo bizarro e tresloucado que define uma época toda muito mais do que uma análise fria e apurada: "O anedotário da Rua da Praia" de Renato Maciel de Sá Júnior é uma coleção de historietas, verídicas em larga escala, mas com talvez algum toque de fantasia ou liberdades poéticas aqui e ali. É um verdadeiro almanaque de como Porto Alegre funcionava na primeira metade do século passado e há coisas que fazem o sujeito ter um tipo de colapso de tanto rir e há pessoas que você vai lamentar muito por jamais ter conhecido.


UM DISCO: "Alívio imediato", Engenheiros do Hawaii (muito embora o épico meio cafona "Anoiteceu em Porto Alegre" citado pelas tantas no texto esteja no álbum "O papa é pop" - sintomático nesse momento de Conclave, inclusive)

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