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7 dicas para jovens (ou nem tão jovens) escritores(as)

  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • 18 de jul.
  • 9 min de leitura
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Bem, digamos que estou escrevendo um livro novo - "bling", som de congratulações e palmas, tipo Duolingo (ou som de quando você instala algum equipamento público e os cidadãos de SimCity vibram - escolha com base em sua faixa etária)


Sim, já publiquei três desses, não deveria ser novidade nem nada (dizem que todo o cuidado que um pai tem com o primeiro filho(a) se reflete no terceiro ou quarto como um lance meio Anticristo de Lars von Trier - ou no meme aquele de um adulto ajudando uma criança na piscina enquanto outra se afoga e um esqueleto esquecido há muito jaz no fundo). Mas esse tem um agravante/diferencial. E ele está me triturando.


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Enquanto que o primeiro (ali por 2009/2010), foi uma versão praticamente idêntica da minha dissertação de mestrado, o segundo (2015), foi a transcrição da minha tese do doutorado com alguns retoques. Ou seja: foram duas obras que mataram dois coelhos com um só golpe, eis que já estavam ali porque assim tinha que ser.


O terceiro (2020), foi fruto de leituras e insights que acumulei nos anos do Projeto de Pesquisa que coordenava no período, e foi sendo afiado a cada discussão, a cada conferência e a cada artigo publicado aqui e ali. E, mais importante, aqui: foi escrito como que um desafogo em meio ao primeiro ano da pandemia.


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(juro por deus que o disco da Fiona Apple foi uma das minhas principais inspirações - e não, não gosto tanto de "Fetch the bolt, Cutters" como a maioria das pessoas (e o júri do Grammy), e nem gosto tanto de Fiona Apple, mas, aquela coisa: tá em casa, aí, de bobeira? Lança alguma coisa aí. Tempo não te falta. Vários artistas em uma primeira leva estavam nesse pique mais confessional, caseiro, simulando algum tipo de 'improviso', testando coisas. Havia uma certa urgência - e paradoxalmente um certo desprendimento - no ar. Muita coisa feita com as pessoas evidentemente usando calça de moletom - ou pelo menos num "calça-de-moletom-core").


(Para ficar nesses dois parênteses, o segundo livro, bem como o terceiro, eu lancei em um esquema que, costumo brincar - embora descreva exatamente a questão - simboliza a minha habilidade de perder dinheiro: as cópias físicas entraram no mercado/lojas ao mesmo tempo em que o pdf era distribuído gratuitamente e a versão ebook podia ser 'comprada' na Amazon por um total de zero reais. Isso mesmo, sem truques. Compra quem quer o exemplar físico. Baixa quem quer o eletrônico. Um caro, outro sem custo. Minha inspiração naquela vez foi o que o Radiohead fez no seu "In Rainbows" de 2007, onde era possível baixar o disco "depositando" para a banda qualquer valor que você queria ou podia, inclusive nenhum. Também não gosto muito do Radiohead - embora eu ache esse álbum bastante interessante).


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A questão quanto a esse é mais ou menos parecida com a do terceiro - e o campo de meus interesses especulativos e algumas ideias e teses que eu quero jogar idem - porém há uma bronca e tanto para lidar: é o primeiro livro que estou escrevendo tendo que, tipo, viver minha vida e minhas obrigações, por assim dizer, normais. É um inferno. Tudo que eu repetidamente penso é: não vai dar.


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Não sei se você tem essa fantasia, mas eu acho tão charmoso e tão incrível quando vejo que algumas pessoas possuem contratos com editoras ou coisas que o valha (com músicos, atores/atrizes e mesmo diretores(as) gigantes acontece muito) onde a pessoa tem um acerto para que publique um número n de livros em tantos anos. Alguém confia tanto no seu talento, e no seu retorno propiciado potencial, que está comprando os direitos de publicação e exploração de obras que ainda nem surgiram na sua cabeça.


A coisa mais apoteótica nesse sentido de todos os tempos para mim foi a espécie de bolsa/prêmio que Leonard Cohen recebeu nos anos 60 do governo canadense pelo seu sucesso e contribuição artística (é incrível pensar que esse cara teve uma carreira de quase 50 anos como músico de sucesso mas - antes disso - já era um incomum caso de superstar literário em seu país, tal um - impensável - astro pop da poesia). Foi o que o possibilitou - veja bem - ele se instalar por um tempo na ilha grega de Hydra, como quem recebe uma carta branca ansiosa por essas férias remuneradas generosas renderem algum tipo de coisa. Renderam canções que o fizeram decolar para outros rumos, mas isso é outra história (leia o livro que vou indicar ali em baixo, ao fim do post, sério, é fascinante).


Grandes best sellers ambulantes costumam ter esse privilégio. Não é o meu caso (vi em reportagem na TV que a Ruth Rocha, 94 anos, acaba de ter seu contrato com a editora renovado por mais 15 anos)


Sempre há o caso de quem tem condições para 'tirar um ano sabático' ou esse tipo de coisa - não é o meu caso, idem, ibidem.



Escrever um livro tendo que usar os espaços que me são permitidos, durante - e em meio à - resolução de pepinos diários tal e qual em meio ao desembarque aliado na Normandia é uma experiência que eu nunca havia vivenciado. E se você conhece - ou já leu aqui - como é minha rotina normal, entre aulas, viagens e compromissos de variadas ordens, sabe que um imenso tiroteio é uma bela de uma imagem representativa.


Normandia é meio dramático demais. Estamos, talvez, no salloon do velho oeste e o xerife sacou a arma para alguns facínoras que adentraram o recinto. Estou abaixado atrás da mesa de pôquer virada, bebendo um resto de bourbon de uma garrafa alvejada enquanto tento me proteger, é meio que isso.


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Não tenho nenhuma pretensão de ser coach de nada e mantenho um saudável questionamento sobre de fato ser o velho que ensina e não o aprendiz que verifica mais de uma vez se deu o nó corretamente, mas aqui vão dicas preciosas que posso dar nesse sentido:


  1. Às vezes vai ser genial - Às vezes não: uma das melhores sensações nessa trilha toda é a de quando você enche o peito, confiante, meio que farejando que tem algo bom ali. Estar no caminho certo, ter dado a liga desejada. Eu costumo dizer que a brincadeira em grande parte se resume a tentar terminar um dia de escrita indo dormir quando você está inundado dessa satisfação (ver dica n. 2, abaixo). Saiba que há dias que você vai ir dormir na pilha desesperadoramente contrária. Ou seja, primeira lição, tipo alongamento da panturrilha: é absolutamente normal olhar para o texto e para o espelho em dado momento e crer de forma decepcionada que você é um(a) imbecil e que não tem o menor controle do que está fazendo. Não é porque você escreveu no dia anterior a página e meia que vai mudar os rumos do pensamento ocidental que necessariamente hoje você vai render na mesma proporção. Felizmente o contrário é verdadeiro também: engula a derrota de hoje porque amanhã mesmo periga rolar o "lavou, tá novo" criativo e mental. Não é nem que "acontece": meio que é assim, o processo.


  1. Abandone o cassino após ganhar a bolada: na roleta, ou no caça-níqueis, a tentação é grande para se sentir o rei da noite - ou a diva pop - e crer que há algum tipo de constante (tal "hoje estou com sorte") após um triunfo. Não. Essa é a hora de parar. Na mesma linha do que foi dito no item acima, você pode "roubar" - ainda que não indefinidamente - nessa empreitada. Está com uma boa energia? Atinja um checkpoint pré-determinado e deixe um pouco para dela o dia seguinte. Aplique o "deu por hoje" e sem vergonha nenhuma se o seu "hoje" de hoje foi pouquinha coisa. Há dias que será assim. E, ao menor sinal de que a próxima pedrinha do riacho não é tão firme como a anterior, não dê o passo a mais, só para se molhar. Amanhã talvez a maré baixe e surge uma nova trilha de pedras que você não tinha visto. Na medida do seu prazo, vai na boa, e só na boa. Sem atropelo. A coisa tem que parar de pé em primeiro lugar.


  2. Sem 'resgates' mirabolantes: eu sei, quando se "erra um caminho", há uma profundíssima decepção ao fazer o certo/lógico (voltar reto até o ponto de partida) , e parece que é um retrocesso/trabalho dobrado (que será - você tem certeza! - remendado com alguma via alternativa se você insistir um pouco e forçar uma que outra barra). Assim: não. Primeira dica dentro da dica: não está 'batendo'? De cara você está achando que aquilo não vai? Não insista nessa. Agora a dica em si: cuidado para não ir longe demais se não estiver sentindo firmeza - parecerá mais decepcionante o trajeto mais longo de volta (ou o número maior de material a sofrer delete). Ninguém tem que estar confiante e empolgado com seu produto o tempo todo, mas se a vibe é aquela visivelmente ruim, não adianta: volta para o ponto do 'mapa' que você conhece e tente pegar a estrada certa, aquela cuja curva você passou porque estava distraído(a).


    Uma coisa que você pode fazer é abrir uma nova página/arquivo, em branco, do zero, deixando, em outra, uma espécie de "dispensa" de "itens" que, talvez, façam sentido em outro momento. Mas é melhor corrigir uma direção inteira do zero do que ficar tentando fazer cirurgias plásticas complexas em coisas que não estão nada boas. Pode até tentar reprisar - agora do jeito bom/certo - a mesma ideia, mas sem ficar com peninha de texto/ideia ruim, por obséquio. Lixo.


  3. "Vamo, dale"? Ok, vamo. Deu gana, vontade, fervilharam ideias? Bora: taca elas pra fora. Despeje, chova, vomite. Se sentiu o 'calor' tente não perder ele. Mas...


  4. ...tira um tempo no dia seguinte e revise, tá?: ideias meio torrenciais tendem a conter uma série de exageros retóricos, exemplos e figurações meio empolgadas demais e caírem sobre o texto meio que sem arrojo - não acredite naquelas baboseiras de "o escritor genial que abriu uma máquina de escrever em um hotel barato e ficou da meia noite ao meio dia ininterruptamente fumando e escrevendo sem nem ler direito o que fazia e daí surgiu a obra prima____".


    Tipo: você sabe que isso é mentira, certo? Mentira grossa. Braba. Caô. Cascata. Totalmente charme e visivelmente lorota.


    Não precisa nem discutir muito. Então, sim: deixa fluir. Mas revisa em um momento posterior, pelo amor de deus. Outras pessoas - de confiança - podem ser bons juízes, mas o primeiro 'juiz' é você, no dia, ou em algum momento seguinte, agora como quem recolhe a sujeira da festa do salão.


  5. Alta manutenção: dê atenção e carinho ao seu texto. Meu orientador dizia que quando você se afasta do seu texto, ele, simétrica e proporcionalmente, se afasta de você também. Claro: geográfica e matematicamente, se vocês ficarem algum tempo se afastando perigam se reencontrar após ambos darem uma volta em 180 graus no diâmetro da Terra. Mas o planeta é muito grande, não vale à pena esperar. Mantenha-se por perto. O que eu, como orientador digo aos meus alunos(as) é: entra ali todo dia, nem que seja para avançar uma frase, trocar um "entretanto" repetido por um "todavia", tirar um parágrafo de um lugar e colar ele em outro que faça mais sentido duas folhas acima. Não chegue naquele estágio onde você tem que ser relembrado, tipo uma série que você vai retomar depois de dois anos e não recorda mais de nenhuma trama nem de metade dos personagens. Viva nessa "trama" e seja conhecido nesse "bairro". Saiba que horas abrem todas as lojas e onde vende o pão mais saboroso.


    Tem uma frase que gosto muito, ela fora atribuída a Pablo Picasso (se é verdade não sabemos): ao ser perguntado sobre a "inspiração" incrível que simplesmente "brilha" para os grandes mestres Picasso disse que estava em seu atelier sempre que possível, porque respondeu que sim, essa "inspiração" luminosa aparece, de fato. "Mas quando ela chega, sem aviso, é bom que encontre você trabalhando".



  6. Anote! Não perca ideias que podem surgir em variados momentos e locais. Anote, use mecanismos - do Keep do Google e outros 'apps' até o bom e velho caderninho, passando pelo whatsapp para si mesmo(a). Quer transformar a parede do quarto naqueles mapas complexos com barbantes vermelhos e fotos de 'suspeitos' dos filmes (meu sonho fazer isso um dia)? Ótimo, mas não precisa chegar nisso. O importante é não perder um bom insight que pode resolver muita coisa. E quantos mais desses você tiver, mais você tem (parece mística de almanaque, mas é real)


Bem: ao trabalho. Ou à diversão, com as dicas abaixo:


UM LIVRO: "I'm your man" de Sylvie Simmons é uma absolutamente deliciosa, bem escrita - e fluida que só - biografia de Leonard Cohen, o gênio da poesia e da canção e um verdadeiro sacerdote da elegância e do cool. Tenho um carinho por esse livro por ser apaixonado por Cohen e por ser um dos primeiros livros que decidi me dar o desafio de ler em inglês, mesmo com opção de publicação nacional. A escrita de Simmons e o estilo de narração ajudaram muito. E sempre que falo nesse livro digo o mesmo: Cohen viveu uma das melhores vidas que qualquer sujeito poderia ter vivido no século XX.


UM DISCO: "In Rainbows", eu falei que acho interessante, porque desde o aclamado "Ok Computer" o Radiohead se cercou de um troço meio messiânico e auto reverente numa toada meio maluca de ser 'genial' em cada segundo de cada canção e em cada centímetro de cada encarte de cada disco e __ (cansativo). Aqui eles surpreenderam a todos sendo, ora vejam, uma boa banda de rock adulto que não parece ter vergonha desse epíteto.


UM FILME: "Eden" estava bacana, bom, com momentos dignos de nota. Daí ocorreu algo que não costuma acontecer comigo: descobri, ao fim, que se tratava de uma historia verídica (não fazia nem ideia daquilo tudo) e meu queixo caiu. Para ficar no tema do dia, que tal uma série de problemas em Galápagos nos anos 1930, desde que o personagem de Jude Law se muda para lá para tentar escrever o maior tratado filosófico de seu tempo? (Spoiler: não consegue).

 
 

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