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Sexta-Feira

  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • há 5 horas
  • 7 min de leitura
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Ainda pensando na papo proveniente do garçom de um restaurante em Itacaré, Bahia (Manga Rosa o nome do lugar - pratos de peixe/frutos do mar com um acento de Indonésia nos temperos e nos nomes das invencionices - excelentes pedida e ambiente) sobre o fato de que não é coisa de se matar de trabalhar: dizia ele que o salão abria algo como 19h, e pelas 18h a equipe se reunia para ajeitar as coisas sem muita pressa. Não seria de se ter pressa em Itacaré (na vida?) dado que ele, como criado ali e também trabalhando de guia local nas inúmeras e bonitas trilhas que apresentam mata fechada e cachoeiras antes de desembocarem em alguma praia deslumbrante, sabia onde arranjar coco, água e caranguejo para catar. "De fome não morro", garantiu. Expediente das 18h às 23h em ambiente de trilha sonora amena e luzes pastéis bem suaves (liguei a tela do celular para ver melhor o cardápio, pelas tantas) parece ok.


Sobraram alertas sobre o ritmo mais lento de Itacaré (e pareceu uma coisa bem de análise factual e de informação - nada da crítica/anedota quase sempre descambando para elementos politicamente problemáticos sobre uma nota de morosidade baiana).


Aluguei uma prancha de surfe (levar a minha em uma viagem grande de avião é um transtorno que ainda não experienciei) em uma das dúzias de lojas locais (a prática é propícia por conta das ondas incríveis da Praia da Tiririca, poucos minutos a pé do centro, e/ou de algumas das chamadas "praias rurais" - alguns quilômetros ao sul que exigem veículo e algum conhecimento tático) e devolvi ela dois dias depois do previsto: em um, no dia do vencimento do aluguel, a loja simplesmente não abriu. Em outro, uma série de combinações telefônicas via mensagens de whatsapp com o proprietário desafiavam a lógica do imediatismo de uma forma que me deixava nervoso - era coisa de o cara responder para mais de duas horas depois cada mensagem. Ele estava tranquilo, eu, não.


Terminou que a recomendação dele foi que eu fosse até a loja (ainda fechada), pelas tantas, e depositasse a prancha em um rack de madeira em frente, onde ficam (quando aberta a loja) expostas as pranchas para venda/locação ao público. Incrédulo, quis confirmar duas vezes se realmente a ideia era eu deixar uma prancha solta em frente a uma loja fechada no centro da cidade. Era (um tempo depois, a baixa da prancha no sistema/registro da locação chegou ao meu email e uma mensagem dele, Niko, me mandou um 'tamo junto' e um sinalzinho de hang loose).


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Estava pensando nisso relendo algumas anotações de fichamentos de obras clássicas de Karl Marx: nunca fui um estudioso tão compenetrado do arcabouço marxiano, mas faz algo como mais de uma década que, não sei se você tem a mesma impressão, parece que é preciso. É como ter que defender o PT com unhas e dentes em discussões político-partidárias: gostaria de experimentar algo diferente disso ao fim e ao cabo, mas parece necessário ultimamente, idem.


As noções bem básicas sobre a "produção em geral" na parte introdutória dos Grundrisse são tão básicas e mesmo assim tão pertinentes: Produção; Distribuição(/circulação); Consumo. 'Produzir produção'. 'Consumo que gera distribuição - engendra a qualidade de produto ao que é produzido'. "Quem consome, produz a si mesmo": embora prefira seu humanismo a seu economicismo do final mais consagrado da carreira, o Marx mais maduro é o rei dos exemplos singelos como o do valorizar o produto na circulação tal o "cara que compra couro para fazer botas" ou o do simples fato de que precisamos, ao fim e ao cabo, comer alguma coisa para pararmos em pé, literalmente (antes mesmo de discorrer sobre o capital fixo-inicial e a relação de lucro final da circulação e o trabalho excedente que gera a mais-valia no processo laboral).


O garçom sabe onde catar caranguejo e coco. Falou isso com um orgulho interessante, como quem diz que pula fora do game quando bem entender. Não sei se é bem assim, mas em algum capítulo marxiano o garçom certamente tem um ponto resplandecente, ainda que rudimentar (e muito embora a 'produção' seja um conceito social não necessariamente associado a habilidades individuais robsonescas de obter víveres em uma ilha deserta).


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Vivi a base de derivados de coco e cacau sempre que possível durante sete dias. Que frutas esplêndidas: adoro chupar a amêndoa do cacau, comê-la na forma de nibs, comê-la torrada e degustar o produto mais famoso a ela associado. Estava no paraíso alimentício. Conheci também o 'mel de cacau', que nada mais é do que a concentração zero bullshit da seiva da amêndoa em forma de algo que não é nem um suco nem uma polpa e deve ser bebido gelado na base de um shot. Esse, mesmo um entusiasta como eu tinha dificuldade de experimentar, dado que se não for consumido na hora - ou no máximo um tempinho depois de congelado, já era.


Cocos, bem: não cabem nos dedos das duas mãos os produtos incríveis que se pode extrair a partir deles.


Coco, Cacau, Tapioca. Praia. Rack de madeira. Delay de duas horas no whatsapp. Interessante.


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Tudo parece um grande spin off quixotesco, mas parece que não há afronta maior a ser posta em prática do que viver relax. Ok: esqueça aquela cartilha tilelê igualmente caricatural que, para alguns, é um sonho meio bobo, e, para outros, um alvo fácil de algumas brincadeiras que não escondem um tom incomodamente reacionário.


É o nosso ambiente. É o giro ao nosso redor. Somos nós. Somos obrigados a muitas coisas em muitas velocidades por um sistema inteiro. A cadeia de stress só funciona e só se faz 'obrigatória' porque é como em um Globo da Morte dos motociclistas do circo: uma vez inserido a primeira coisa é entrar no fluxo e a segunda é sobreviver.


Ok, mas o certo é ir catar caranguejo passando a 'Trilha do Jeribucaçu'? (Não: consulte dois parágrafos acima - ou sim, talvez, mas não fatia disso uma coisa lapidar ou um conselho genérico). Agora se dá pra começar de algum jeito poderia ser parar de falar apenas nas redes sociais de forma irônica e passivo-agressiva o quanto se trabalha demais e o quanto se está terrivelmente preso por uma série de agendas em larguíssima escala irreais e impostas apenas no contexto dessa cadeia de agendamentos malucos onde numa espécie de block chain moral, todo mundo confirma e acredita as acoplagens dos outros, tornando estranho, exótico ou ilusório o sentimento de que dava para dar uma amortecida.


Talvez na entrevista de emprego para o cargo que potencialmente vai resolver sua vida naquele momento você não precise necessariamente em termos de um compromisso ético consigo mesmo dizer que na real, mesmo, queria estar tomando shots de mel de cacau e comendo brownie de cannabis em Itacaré, Bahia (R$35 em média na beira da praia), mas um primeiro grande passo que todos poderiam dar juntos é trazer para a superfície de uma vez por todas, ainda que passo a passo, que, sim, todo mundo quer sossego e que, não, não dá pra se fiar nas papagaiadas de coach de performance que quer empurrar uma 'independência' de mindset fajuta.


É talvez por isso que a discussão sobre um eventual fim da escala 6x1 de trabalho em prol da oficialização de algo como 5x2 ou - em termos de produtividade, já há estudos bem sérios no quesito - por que não, 4x3, é um barril de pólvora interessantíssimo no jogo político atual: é um tipo de assunção real quanto ao fato de que a necessidade de mais tempo para um viver que passa longe de métricas de produção que só agradam e enriquecem os mesmos de sempre abrirá o leque do que se, efetivamente, produz. E do que se, efetivamente, terá para distribuir. E do que se vai querer, e poder, consumir. Ainda não decidi se uso aspas nesses termos quando menciono eles de forma reflexiva no contexto. Acho que não. São mais reais do que a licença da reflexão aduz.


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O ruim, o chatíssimo, é que: ao mesmo tempo em que empurram absolutamente tudo para um antro de responsabilizações micro e individuais falsárias ("tome banho em apenas 3 minutos e já use o tempo para fazer xixi, por obséquio" - ou carregue nos ombros o peso da destruição da vida na terra), o golpe, faca de dois gumes, nos neutraliza quanto a qualquer possibilidade de formação de rede, de micro/indivíduo para micro/indivíduo, um em um, em relação às coisas que poderiam causar real abalo (em todos sentidos, mas especialmente no positivo).


O que eu sei, e que tem sido meu mantra é: deixa eles real, com medo e em surto maniático? Então vai. Pega esse túnel, abre essa porta, vai. Vai ali. Ter indicações de onde é o começo do caminho da trilha, no momento, é ainda mais importante do que saber exatamente em que trecho de praia vai dar.


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Mas, enfim: Itacaré - Ilhéus em transfer, Ilhéus-São Paulo em um vôo, São Paulo-Porto Alegre em outro e Porto Alegre-Passo Fundo de ônibus e aqui estou após a primeira semana de aulas, com dor de cabeça, mal dormido e com alguma alergia arranhando a garganta a cada três frases e uma tossida.


Era "Sexta-Feira" o nome do amigo do Robson Crusoé, né? Então: sextou.


UM LIVRO: "Cacau" é a 2a obra de Jorge Amado e faz parte de um panteão menos conhecido do que aquelas que ___ (todo mundo sabe ao menos duas ou três). É um livro militante bem curtinho, com uma história boa que você já viu com muita fidedignidade, mas com menos crueza e menos tom incisivo no quesito da luta de classes em umas quantas novelas da Globo. É o Jorge Amado irado com os coronéis, com o sistema, com o Estado-Novo, inflamado pelas notícias de revoluções vindas de longe. E é fucking boa literatura, Brasil no talo.


UM DISCO: Todos sabemos bem ou mal o que é pop-rock ainda que o conceito seja bem amplo ao nível do incomensurável. A questão é que (em tempos de luta por soberania) existe uma coisa como pop-reggae no qual nosso país é uma fábrica insuperável e constante de entrega - nem sempre boa, diga-se. Quando pensar em Itacaré depois do almoço, pense em algo como a canção "Bem Devagar" dos (jovens) do Braza, no seu disco último "Baile Cítrico Utrópico" (não digitei errado, a palavra é essa mesmo).


UM FILME: estou péssimo de filme essa semana, me perdoem :(



 
 
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