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  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • 14 de fev.
  • 8 min de leitura



Essa semana repercutiu aos quatro ventos uma declaração infelicíssima do presidente Lula sobre o Ibama e a exploração de petróleo na região conhecida como 'bacia amazônica'.


E ontem um cara veio me xingar na internet de um jeito que ainda não sei se é a versão mais agressiva de uma manifestação passivo-agressiva ou se fora a ocasião mais passiva de uma ideia de agressão. Não foi nada demais, nem das piores - até porque apesar de ser muito verborrágico nas redes, de não procurar separar perfis profissionais/acadêmicos/pessoais e de ter um podcast semanal de audiência nacional, eu costumo ser um alvo fugidio desse tipo de coisa (e desinteressante para esse tipo de gente), e muito pelo que irei propor aqui, nessa postagem.


Os dois fatos estão conectados, dado que a - digamos - advertência que sofri se deu por ele não gostar de me ver criticando, de modo amargo, a fala de Lula (que, ainda que sem a mesma intenção e caráter, poderia muito bem ser dita por escroques como o ex-Ministro Ricardo "Passar a Boiada" Salles a respeito de que o Ibama, ora vejam, ao fazer justamente o seu trabalho, estaria "...atrapalhando o governo"). Sucedeu que o camarada disse que eu (e outros que aderiram, engajaram ou mesmo concordaram com a crítica) deveríamos levar "mais um governo Bolsonaro no rabo (sic.)", suscitando que o melhor, nessa ocasião, seria engolir a crítica para não dar vazão 'aos inimigos' ou algo que o valha.


Não quero falar sobre Lula, aqui (o tema é outro), mas como disse no próprio post, no Bluesky, 'engulo', político-estrategicamente, várias coisas, cotidianamente. Sou fã da governabilidade, da retranca, e acho que há muito gritinho e esperneio supostamente de 'vanguarda' na telinha das redes sociais que é um exercício infantil de falta de cabimento. Mas quando Lula (veja bem, Lula) propaga uma ideia que poderia, simetricamente, ser propagada por qualquer ruralista da direita mais tosca, palavra por palavra, é complicado não poder ponderar que foi algo de tom bem ruim.


*****


Enfim.


Lido com interações internéticas (aqui fala um soldado atuante na era dos blogs dos primeiros anos deste milênio) há muito tempo - ainda que a intensidade da questão a partir do modelo de redes sociais como 'a internet', em si, trouxe outras questões e visivelmente alterou o modo de ser e estar das pessoas sob a face da terra de um jeito que jamais se sonhou antes ser possível.


Gostaria de ir um pouco mais além na reflexão - e o faço, abaixo - mas, se você está sem tempo, um tutorial de poucas linhas:


Minha atitude em relação a um desaplaudidíssimo sujeito que fica provavelmente caçando 'topics' para se inserir raivosamente em discussões quixotescas e energizando rivalidades unilaterais fugazes (literalmente: não sem quem é e nem sabia que existia o amigo)? Simples, em três etapas, para redes que obedecem esquema similar (como no caso do Bluesky na mesma toada e com ferramentas similares às do antigo Twitter):


  1. Não responder absolutamente nada. Absolutamente nada mesmo. Promover o vácuo total (opcionalmente seguido por um "pfff" de lábios mal fechados e/ou pelo famoso 'arzinho' saindo do nariz);

  2. 'Bloquear' (a medida n.1 costuma ser por si só eficaz, mas se livrar definitivamente de interações ainda que de revesgueio ou por engano com pessoas assim é prático, idem);

  3. Opcional: usar o mecanismo de "ocultar a resposta" para limpar restos de sujeira aparentes deixados pela mala e não perturbar ou feder o ambiente para as interações construtivas e bem vindas no post e seu véu de noiva que por vezes se estende por léguas (e para - há que se confessar - imaginar a pessoa se remoendo pela ausência de buzz de sua patética contribuição-isca).


    Ou, ainda, em uma frase que li em um texto do jornalista e professor Juremir Machado da Silva, certa vez, que guardei em mim como mantra: não dê carona.



O triunfo e a glória das redes sociais residem em capturar nossa letargia aglutinada à atenção a efemeridades supérfluas, mas não há que se desprezar peça fundamental nessa captura que é a irresistível tração opinativa/declaratória/auto confessional que não raramente vem sob a forma de conflito: em meio ao turbilhão de gente cavando um espaço apertado na prateleira da exposição visando gerar algum tipo de interesse para si, pessoas se desesperam para, não rara e velozmente, insultar outras dizendo (em um visível paradoxo) que com algo que fora postado "ninguém se importa" (esse poderia ser a imagem do ouróboro do uso destrutivo das redes, em um cenário).


Iscas ofensivas para gerar discussões (geralmente inúteis e desproporcionais) e alimentar pequenas grandes batalhas entre desconhecidos que passam a não ter entre si nenhuma mediação senão por um tipo de ranço que pode (e muitas vezes, invariavelmente) escalonar para algo como um inacreditável ódio efetivo são o modus operandi de uma sortida e incrível quantidade de desocupados e mesmo viciados em sua lida diária nas coxilhas virtuais das redes.


Dito isso, alguém pode (seja com sinceridade questionadora, seja maliciosamente, visando justamente a brecha para mais alfinetadas que sustentam viva a chama do conflito) perguntar se não estou propondo uma 'internet' (redes) que fuja de interações, alteridade, choques de opinião (potencialmente benéficos), diálogo, e política, em última instância. Definitivamente: não.


São coisas bem diferentes uma discussão em uma arena mais ou menos aberta e permeável ou mesmo uma conversa ocasional no estilo de uma fila de banco ou um fumódromo de festa - em versões cyber - e uma espécie de ingresso em uma arena virtual nos moldes daquela alegoria apresentada no filme Tron, onde os seres renderizados estavam como que não voluntária nem intencionalmente disputando uma olimpíada de vida e morte com a adesão como única possibilidade.


Suscitar um dado, informação, tese científica, resultado de pesquisa ou opinião deve (e em alguns casos, precisa) poder gerar interlocução, respostas, contrapontos e checagem. Mentiras e desinformação deliberadas que causem prejuízos devem ser confrontadas e neutralizadas, sempre que possível.


Porém, há um limite para um certo tipo de crítica: há pessoas que creem piamente que uma postagem nas redes é como uma ponte de madeira no Japão medieval ou um salloon de faroeste onde, por algum motivo por vezes nem bem determinado, alguém te chama para um duelo ou disputa onde você não teria de fato a opção de dar de ombros e aplicar um 'sai, maluco' (o corpo fala) ou mesmo categoricamente dizer que não está interessado. Ou, mais, ainda: uma luta de boxe onde o oponente avisa que, em uma peculiar regra aplicável só ali, você seria obrigado a subir no ringue para apenas apanhar e tentar esquivas, sem possibilidade de atacar - ou mesmo de se declarar desinteressado.


"Aceitar críticas" não é o mesmo que se mostrar passivo diante de pessoas que querem muito mais algum tipo de espaço para propagandear o seu próprio 'produto' do que colaborar com algum tipo de discussão de valor.


Dito isso: duas coisas fundamentais eu posso deixar a vocês


a) Afaste-se do "gay de comedia ruim"


Estou plenamente convencido de que não preciso dar qualquer tipo de importância para 'críticas' que irrompem, fiscalizadoras, mormente por pessoas que dizem gostar (de meu trabalho, minhas colaborações, minhas opiniões, etc.), mas, que, incrivelmente (...) transmutam esse "gostar" numa espécie de passaporte para só falar mal quando bem entendem. É como o (engraçado, até, na ficção, mas, convenhamos: desagradabilíssimo na vida real - conheço alguns) "gay sarcástico de produções audiovisuais clichê": uma figura arquetípica de amigo de protagonista cuja função é divertir o público contextualizadamente ao passar o tempo todo dizendo barbaridades ofensivas sob o signo de ser uma espécie de compliance da(o) personagem central, escorado na (suposta) amizade como um wild card para ser cruel de forma impune e constante. A pessoa diz que 'gosta' (de você/seu trabalho/sua produção/suas opiniões)? Interessante: esse 'gostar' se perfaz em um elogio ou estímulo involuntário e autêntico, em um incentivo inesperado, por vezes, ou é um 'gostar' que é mero passaporte para críticas e embargos, a todo momento? Há algum tempo mantenho uma filosofia que parece cínica, mas considero segura: quer me criticar? Faça login. Não tenho tempo a perder com aventureiros desconhecidos caçando briga e com gente que pensa que intimidade é porta aberta para arrastar para baixo o tempo todo. Mereço um elogio, volta e meia? Pois dê. O faça. Mereço um toque, muitas vezes? You're welcome, mas faz valer esse 'gostar', aí. Do contrário, parece que só estou acessível para ser seu saco de boxe. Não estou. Deliberadamente não estou e, melhor: não tenho que estar.


e, especialmente, b) "Não dê carona"


Essa vem diretamente da era "de ouro" dos blogs e suas terríveis "caixas de comentários".


Foi a receita que o Juremir apregoou certa vez para lidar com os haters e caçadores de batalhas inúteis - e também, especialmente, com aqueles que querem usar a sua plataforma/espaço/post para gerarem engajamento para si próprios.


Não há obrigação alguma de você ostentar no seu espaço uma espécie de crítica tal uma doença autoimune de alguém que solenemente exige algo como um 'direito de resposta' tal e qual na Justiça Eleitoral. A sua opinião não precisa carregar uma glosa feita 'pela comunidade' em temas que dizem exclusivo respeito ao que você pensa ou acha. Ao ser criticado por ter deletado comentários de enfezadinhos-odiadores desgostosos com sua verve política que inundaram comentários de seu blog, à época, Juremir foi ácido na medida certa: não é obrigado a fazer publicidade para quem está contra o seu próprio produto. Não é obrigado a carregar o 'oponente' na garupa. Não tem que dar carona.


Em última análise a resposta que parece até mesmo mais infantil e simplista segue, sim (incrivelmente) valendo: as pessoas têm que aprender que em algum grau, não resta opção senão exporem as suas opiniões e filosofias no espaço/post/perfil/site que lhes cabe. Não: você não tem nenhum direito absoluto de vir no meu "requerer" aparte. Quanto a nada. Posta no teu perfil, irmão. Faz o teu podcast, querida.


Sem carona hoje.


(Alguém mais cronicamente online e fraco em relação à tentação poderia simplesmente responder, ao babaca, lá de cima do texto: "Nossa, que opinião interessante, você deveria postar ela para seus 14 seguidores apreciarem". Mas, acredite: o silêncio é melhor para você. E uma adaga mais dura para esse tipo de cretino).


UM FILME: assisti a "O Auto da Compadecida 2". De ruim, é preciso que se diga que é um mero exercício de expansão - tal como um epílogo bônus - do primeiro (esse, o '2', já não é baseado diretamente em alguma obra de Suassuna, e sim na ambientação dela). Não para muito em pé e o seu clímax é inexplicavelmente idêntico ao do primeiro, o que é bem broxante. De bom: ora, quem não quer um epílogo para mais um pouco de Chicó e João Grilo? Os cenários assemelhados a um palco de teatro e as atuações de simplesmente todas as pessoas em tela são dignas de troféu.


UM DISCO: vi ontem (13.02) no Bar Opinião, em Porto Alegre, o show comemorativo de 30 anos do disco "Da Lama ao Caos", da Nação Zumbi. Não só por ter vivenciado, na época o estouro inicial dessa banda de quem sou, fui e sempre serei fã, e ter relação afetiva com o disco, mas por enfatizar que seu impacto segue vivo até hoje. O maracatu lido sob uma lente punk, riffs dentre os mais fortes já produzidos pelo rock nacional, uma proposta de discurso e cosmovisão brasileiríssima e cosmopolita e letras certeiras que parecem agora estar atingindo a cronologia tempo-espaço, de tão avançadas à época. Fiquemos com esse.


UM LIVRO: estou enrolando para começar o mais recente do Murakami, enquanto isso ando lendo uma coletânea de artigos do A. Negri sobre sua visão do pensamento de Deleuze e Guattari (nada que vocês vão querer saber).



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    Gabriel
  • 7 de fev.
  • 7 min de leitura

Há muito tempo desenvolvi uma teoria.


'Teoria', por assim dizer, é só um modo de falar que em basicamente nada guarda relação com o que essa palavra na real exprime, estando distante de ideias ou teorias (em sentido concreto) que volta e meia desenvolvo também (é: já são 20 anos já envolvido com o mundo jurídico-acadêmico de pós - literalmente - graduação, então alguma coisa já rolou nesse sentido, sim, se querem saber).


Em real seria melhor dizer que identifiquei um sentimento, um afeto, um padrão, que diz respeito a uma coisa que sinto/penso, tem relação à forma como eu especificamente encaro um certo tipo de coisa, e que é útil para conhecer melhor um traço específico da minha personalidade. Assumi ou descobri algo em mim.


Bem, já sabemos que a primeira frase desse escrito já está meio deslocada de sentido, mas agora fica assim.


Eu sinto um certo fascínio tangencial a um misto de admiração e inveja de algumas pessoas famosas, habitantes do que se costumava chamar de círculo das celebridades do, vá lá, showbizz. Veremos inclusive que esse conceito se amplia hoje em dia, porque por mais que diga respeito a alguém que cintile no mundo ligado ao entretenimento e a alguma (ou algum resquício de) proposta artística, há quem entre nessa classificação (que agora pode englobar magnatas excêntricos, donos de empresas e até políticos), por uma espécie de porta dos fundos menos consistente ou glamurosa, mas inegavelmente eficiente (e aqui penso nesse tipo curioso da nossa era, influencers que 'vendem' um post para 'promover' um reel que vai anunciar um 'short' que polemiza um 'tweet' que era sobre 'expor' alguém que estava fazendo uma 'collab' - em uma espiral de vazio que diz respeito a algo tão singelo quanto sua rotina cotidiana).


Até aí alguém dirá: mas é lógico. E se inicia uma cantilena que passa por vários pontos de convergência de sedução que evocam sexo e desejo (sempre eles, não é mesmo?) e gravitam por situações, posições, chegando a bens materiais que trocam energia e colocações com os anteriores - em um estranho mas previsível ranking cambiante que vê pessoas e artigos de luxo como parte de um mesmo portfólio ou lista de commodities: "(...) quem não ia querer ser tão admirado como fulano(a)? Quem não gostaria de ter aquela mansão com praia exclusiva, aquele carro caríssimo? Quem não gostaria - mais evidente ainda - de estar ao lado daquela mulher/daquele cara em um jantar nababesco sob o luar de algum ponto imponente do mapa?"


Ok, trivial.


Mas quero referir outro aspecto:


Sinto, claro, inveja em algum grau (no nível que quase todo mundo sente) da quantidade de camadas de privilégio e suas facilidades atinentes para a conquista de mais facilidades (e assim, mais privilégios) que orbitam especialmente entre o binômio fama-dinheiro.


Mas pensei especificamente nisso mais uma vez nessa semana, quando, na festa de premiação do Grammy (não assisti), Kanye West¹ (fiquei sabendo pela osmose das redes sociais) compareceu ao lado de sua companheira, Bianca Censori², cuja proposta de traje (algo costumeiramente mais e mais importante nesse tipo de ocasião e nesse ecossistema, nos últimos tempos) era, em realidade, não usar traje, para além de uma quase invisível película transparente rente à pele. Estava nua.


**

1 artista que não me influencia e anima em nada - e de quem transito entre uma certa raiva por suas declarações estúpidas costumeiras e uma surpreendente compaixão, dado que viver em um estado de nítido sofrimento psicológico em meio a um universo onde a conta bancária e as pessoas que lhe cercam são incapazes de dizer 'não' é complicado em vários aspectos

2 sobrenome curioso e irônico aqui

**


O fato de que ninguém automaticamente não considerou a hipótese de Bianca ser maluca faz parte do que eu vou querer dizer aqui. Refiro um sentido médico, literal: não há qualquer possibilidade de imaginar que houve algum disparate ou equívoco bizarro, ou que, talvez, Bianca tenha sido traída por alguma falha ou erro de sua stylist ou má costura/rasgo de alguma peça. Todos sabemos que a medida foi algum tipo de statement ou vontade de causar de alguma forma limítrofe - e resta saber se isso será julgado como chic, ousado, punk, brega, "desnecessário", icônico ou over. E nada mais. E é isso, precisamente isso, que invejo (Kanye estava em uma das solenidades mais importantes do seu meio e estava de camiseta - isso também faz parte do que quero refletir. E também invejo).


Há um grau de pessoas que por seu magnetismo estilístico, ou por sua energia cool, ou por estarem em uma espécie poderosa de crista da onda (ou às vezes por nada disso e sim pela montanha de dinheiro sobre o qual repousam toda noite - que vem com o brinde da condescendência típica de quem passa a ter puxa-sacos), detém o privilégio (para mim) supremo de fazer o que bem entende, e isso ser imediatamente recepcionado como algum tipo de proposta.


Sim: há pessoas que têm ideias, propostas, oferecem hipóteses de tendências, comunicam coisas. E são imediatamente vistas, ouvidas e, especialmente, 'lidas' como tal.


Novamente: ninguém olhou para Bianca e correu para lhe oferecer uma capa para se cobrir, ou rapidamente acionou um psiquiatra. A posição (um tanto canhestra, mas, enfim) de atual companheira de um mega ídolo pop lhe oferece essa fatia (ainda que momentânea) de magia desse tipo de universo que lê sua nudez em público em um evento festivo (o terror/pesadelo de tanta gente ao acordar aflita após sonhar com isso) não resumida a uma nudez física, mas a uma ideia. Resta saber, enfatizo, se chic, ousada, punk, brega, "desnecessária", icônica ou over.


Nem eu nem (muito provavelmente) você (a menos que nesse momento eu esteja sendo lido por pessoas como Bianca, Charli XCX, Harry Styles, Timothée Chalamet ou Kanye West - uma abraço a todos. Não: para Kanye, não) pode aparecer de bermuda em um concerto de gala no teatro municipal, ou de sunga e camisa regata em um coquetel grã fino, ou de chinelos e calça do pijama para receber uma honraria entre seus pares. Não se trata de "coragem para" (como quem resolve encarar um desafio tal acariciar um leão ou se aproximar de uma cobra venenosa), e sim de "poder fazer", sendo esse poder (verbo) mais próximo de um tipo de aura do que da possibilidade, real, da ocorrência.


Verbalmente todos "podem" (possibilidade) ir de chinelos e chapéu de palha, ou vestidos e maquiados tal uma atriz dos anos 30 em uma ocasião formal(mesmo homens hétero), mas além de não necessariamente isso se concretizar ("Por que estou sendo barrado? Estou vestido que nem o Harry, ali") aqui o "poder" (condição ou permissivo específico) obedece uma outra lógica.


Gabriel, pelado, indo dar uma palestra para provar algum ponto, tal uma performance? Você indo só de calcinha à audiência para enfatizar alguma questão do processo? Aparecer no jantar da firma de calça de moletom e camisa furada pedindo desculpas porque recém acordou? Ou ir ao shopping vestido de dinossauro porque, bem, dinossauros são legais. Chama a Samu.


Um entreteiner de qualquer classe ir a uma ocasião como quem bola um traje para alguma festa à fantasia: proposta. Discurso. Reflexão. Tendência. Comunicar algo. Ou simples manifestação de um level de traquinagem que a nós (não, Charli, não é com você) é vedado.


Eu adoraria poder 'poder': invejo a possibilidade de tudo o que algumas pessoas fazem, dizem e mesmo vestem (ou não vestem) ser passível de ser visto como um quê planejado e pleno de algum significado ou ideia, para o qual as pessoas julgam se acharam ruim, bom, ousado ou patético. Elas não estão no palco (onde a extravagância atende a índices ainda mais extremos - mas tal um ambiente controlado onde, inclusive, se espera algo do tipo), travestidas de algum personagem. Elas podem ser personagem de si. Estão comunicando (e vistas como quem comunica) até com seu desleixo - ou mesmo nudez. É uma espécie de vida tal um desfile pret-a-porter onde você tem à disposição qualquer elemento comunicativo disponível (incluindo sua roupa, nudez, cabelo ou depilação) para explorar algum tipo de mensagem. Podem achar ruim, mas não lhe creem maluco, nem muito menos asqueroso. Você é avaliado pelo que propôs, e não no nível do absurdo flat de uma comparação frente ao que seria o 'normal'.


Poder 'poder' ir nua - ou com uma espécie de adorno sinistro tal uma maquete de castelo como se fosse um chapéu - em uma solenidade, por si só, não quer dizer nada, logicamente. Vem com um pacote onde volta e meia transitam outros fatores (sobretudo dinheiro e um quê de moral que em certa quantia é por este comprável). Mas há um ponto em que você pode se sobressair e propor/comunicar coisas da forma que bem entender, eis que sempre serão assim vistas (e/ou como uma tacada de estilo que visa dizer algo) e não como outra coisa.


Uma vez vi uma foto de Brad Pitt na arquibancada de um evento esportivo com uma camisa furada e velha que, se sou eu ainda que indo na fruteira da esquina para alguma emergência, suscitaria perguntas de chegados sobre necessidade de doações financeiras - ou mesmo pena (e boatos) por parte de algum núcleo eventual de conhecidos.



UM DISCO: rapaz, falando em Grammy, alguma coisa eu vi, sim: o Residente venceu algo como melhor disco de música urbana/contemporânea com o seu "Las letras ya no importan". Desde o Calle 13 e depois, em carreira solo, uma constante do universo é: Residente não erra.


UM FILME: dia desses ocorreu em uma cidade dos EUA de nome irrecuperável e impronunciável sem recurso de meios de pesquisa internéticos aquele estranho ritual de presságio sobre a questão da duração do inverno e da 'marmota', eternizado no filme adorável com Bill Murray. O que você talvez não saiba é que há uma versão italiana - tão boa ou (arriscado) até melhor, de 2004, chamado "È giá ieri" ("já é ontem"). Sério. E, sério, também, quanto ser tão bom quanto - ou melhor.


UM LIVRO: "Olhe para mim" da Jennifer Egan é o livro que me fez decidir, impreterivelmente: tudo o que essa mulher escrever, eu comprarei e lerei. Era 2001 e basicamente ela INVENTOU o Instagram. Boa leitura para quem quer lidar com esse entremeio de quem são -e porque o são- as celebridades do século XXI.

  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • 31 de jan.
  • 7 min de leitura

Escrevo esse texto mais à moda antiga do que se pode suspeitar apenas por lê-lo. Moda antiga tipo blogs raiz: o relógio avança já no dia seguinte, tudo está silencioso e tenho que fazer muita coisa que não condiz com os minutos gastos para essa pequena reflexão, mas whatever. Amanhã tenho que acordar cedo para pegar um voo, inclusive. Lembro de uma vez que precisava fazer uma contestação de nível "esqueça, nunca que o juiz vai___" e pelas tantas eram muitos detalhes e teses a serem enfrentadas/expostas. Madrugada e eu fiz um texto para o blog. Era algo como 2003 ou 2004. Foi como respirar. Tipo se exercitar fisicamente como uma estranha forma de neutralizar outros cansaços. Serviu. Funcionou.


***


Estou lendo o livro "Ainda estou aqui", de Marcelo Rubens Paiva. Creio ser um bom complemento para o momento de hype glorioso do filme e a aclamação de Fernanda Torres em tempos de premiações globais. O que chama a atenção é justamente que a obra é um apanhado de memórias sob a forma de crônicas freestyle que foram linda e gentilmente transformadas em uma narrativa posta sobre a história de uma família. O livro igualmente conta uma história, mas longe de ser algo sequer próximo de um roteiro de filme.


Na cena (do filme) cuja força já ganhou o mundo e os comentários, uma reportagem sobre a situação que envolve a família se encerra com um pedido de uma fotografia e uma curiosa solicitação para gerar um quadro dramático mais preparadamente intenso: solicitam a Eunice e aos filhos/as que se mantenham sóbrios, quando não ensaiadamente tristonhos para compor o tom da matéria. A matriarca se recusa e incita todos a sorrirem.


No livro, a questão não é narrada primeiramente de forma específica por Marcelo, e sim como um conjunto de ideias. Está em um dos primeiros capítulos da Parte I do livro: ele discorre sobre o fato de que sua mãe jamais aceitou a posição de uma vítima que dá aos algozes o gosto de mais essa vitória. "A família não foi mais vítima da ditadura que o próprio país". Não apareceriam jamais fracos e chorosos. Um compromisso. Algo de se notar tal uma estratégia de relações públicas dessas pessoas que foram jogadas para o debate público - mais, cívico/democrático - sem quererem. Após, o próprio livro se encarrega de descrever o dia da foto, e os semblantes e a ironia meio cruel da coosa toda, mas complementado pela ânsia e ímpeto já descritos. Sob as lentes, é uma única composição, pois assim deve ser.


Há um esporte sobre o qual pouco entendo - beisebol - e há um filme do qual gosto muito - "Moneyball" - que explora um enredo envolvido com esse esporte. Nele, Brad Pitt interpreta um ex-atleta e promessa (não cumprida) da modalidade, que, como manager de uma equipe (Oakland A's), encontra uma notoriedade marcante, ao desenvolver um peculiar e revolucionário método de contratação, dispensa e aproveitamento de jogadores baseado em uma leitura e combinação de estatísticas como nunca antes fora feita. Um dia por curiosidade tive a chance de ler o livro: que surpresa positiva. O livro só torna o filme mais divertido porque é uma espécie de biografia, não do protagonista, encarnado por Pitt, mas da própria metodologia por ele desenvolvida, e da própria mania (agora recorrente) de uso aprofundado de estatísticas para as finalidades esportivas no geral. A história da faísca do manager que decidiu ir contra a maré (e literalmente 'mudar o jogo') é um pano de fundo para algo contado muito mais como uma matéria expositiva do que uma romantização do protagonista. Elegeram um viés de "Moneyball" - o livro - para ser recortado e montado de outra forma quando apresentado como "Moneyball" (o filme). À imagem e semelhança, poderia ser um bom documentário. Com liberdade de adaptação, virou um filme-pipoca boa praça.


"Ainda estou aqui" (o livro) é uma coleção de recortes de memórias de um membro de uma família. Alguém decidiu contar a história dessa família, e tem no livro um quebra cabeças que não será montado até o fim, ou um brinquedo de Lego com uma proposta original, que, após concluído tal uma tarefa mecânica e linear, quase que invariavelmente convida as crianças (e os adultos) a montarem - com as mesmas peças - algo mais original, interessante, instigante ou simplesmente diferente, por recombinação.


Walter Salles, diretor de "Ainda estou aqui" - enquanto filme - teve coragem suficiente para mexer com um clássico incomensurável de toda uma geração (de muitas, em realidade) e trouxe para as telas, certa vez, uma versão de "On the road". Choveram críticas de vários lados (eu considero uma adaptação honesta, possível e que dimensiona bem a história em um outro formato alheio ao para o qual ela fora pensada). Se levado o purismo ao limite, nenhum livro deveria virar filme, jamais. Porém, se visto aquele não como uma tentativa de reprise de "On the road" e sim como um "On the road", não vejo como não ser palatável. As pessoas não costumam ter problemas com adaptações afetadas, ensandecidas e exageradas de absolutamente todo produto cultural possível para o tipo de teatro estadunidense que ganha o epíteto do trecho de avenida onde costumam ser encenadas: na Broadway (assim como em "Las Vegas" - mais um estado de espírito que uma cidade), há uma tolerância intrínseca da opinião dos ferrenhos críticos, por (parece ser) um automatismo em suspender a descrença (ou em relaxar) em relação ao fato de que ali se encena, expõe, propõe algo que decididamente não é o seu filme, livro ou mesmo outra peça favorita (mesmo disco: soube de um espetáculo da Broadway que encena - veja bem - "American Idiot" do Green Day, por deus). Há por lá atualmente rolando uma versão de muito sucesso de "O beijo da mulher aranha", cujo olhar na versão filme, de Hector Babenco, supera e muito (como leitura "oficial") o próprio livro original de Miguel Puig. Ninguém parece preocupado em defender, frente às Broadways da vida, a dignidade ontológica dessas obras. Relax.


O fato é que o perspectivismo é uma coisa bonita e útil para o amadurecimento. Aceitar a ideia de que um ponto de vista e uma situação em si podem mudar o panorama de diretrizes, vieses e prioridades a partir do qual uma coisa pode ser contada - sem abalar seu tom de 'verdade' - é impressionante. Há verdade (ou pode haver) quando se resume algo, quando se enfatiza algo, quando se negligencia ou minimiza algo. Não há que se ter uma sanha reprodutiva amorfa. Não existimos reproduzindo coisas como o pequeno robô de Star Wars que guarda dentro de si uma mensagem na forma hologramática. Nossa versão, para tudo, é única. Assentir isso enquanto recurso artístico e enquanto - insisto no termo - proposta, é uma ferramenta estupenda.


Em 1998, sabe-se lá porque (a falta da velha pessoa que faz a função de colocar uma mão no ombro e dizer "amigo, não"?) Gus Van Sant decidiu (e alguém mais criminoso ainda o bancou para isso) refilmar "Psicose", de Hitchcock, de um modo literal, absolutamente bizarro. Talvez uma crítica ou exercício sobre a questão do consumo/reprodutibilidade da arte? O resultado é catastrófico. Não traz nem diz nada. Da mesma forma que o livro que entusiasmadamente recomendei a vocês lerem, alguns posts atrás, junto com minha advertência severa para que ninguém perca tempo vendo o filme: "Pergunte ao pó", de John Fante - e de Robert Towne na tenebrosa aventura fílmica. É uma sucessão de cenas, apenas. É uma tentativa de condensação de uma história inteira num filme tratado apenas como espaço para tanto. São partes de um livro explicadas em um tutorial visual em ordem cronológica. Péssimo. Ofensivo.


"Duna", de 1985 passa por esse problema: uma ideia de montagem de algo como quatro horas foi ordenada por um canetaço de estúdio a parecer mais razoável e qualquer coisa que você queira com aquele festival de baixo orçamento (ainda com uma que outra opção estética interessante - adoro o visual das Bene Gesserit ali conferido) depende de uma prévia leitura do livro (ao menos do tomo inicial, que é onde o filme todo se desenrola em velocidade recorde despido de qualquer nuance). É uma salada de frutas absolutamente mal resolvida e meio constrangedora. Villeneuve adaptou com sucesso o mesmo tomo em dois filmes de quase três horas cada, e apesar da lindeza visual e da emoção que atinge picos, foi obrigado a dar cavalos de pau e construir novos tuneis por conta própria. Nem dinheiro infinito e a fina flor do primor técnico resolve 100% de certas coisas.


É claro que no caso do livro de Fante, no de Kerouac, e mesmo no de Herbert, há uma sanha incontrolável de buscar a obra tal e qual um bloco de anotações do fiscal de trânsito e exibir os pontos de equívoco, um por um. Mas que tal se soubermos diferenciar outra coisa: quem está propondo contar uma história com personalidade e sem negar ou esconder no edredom o seu olhar, e quem está simplesmente enfileirando cenas? É a mesma diferença entre cantar no tom e apenas recitar as palavras da letra de uma canção na métrica exigida pelo ritmo. Ou de decididamente mudar o tom e a métrica. Propor. Brincar com.


Mais uma vitória para o desde logo já maior triunfo do cinema nacional em muito tempo (quiçá todos os): é baseado em um livro? Sim. E não. Até porque ele gira (e representa, segundo Selton Mello que vive o personagem) uma pessoa que tecnicamente não está mais aqui e que ganha um corpo a partir de um olhar, de um jeito de ser retratado, de algumas ênfases e de muitos silêncios. Mas a versão como é contada nas telas o faz estar, de várias formas, para todos os presentes (no enredo, dentro da tela, e em frente a ela). O livro é a visão de um Marcelo criança, depois adolescente, depois jovem adulto e depois tutor da própria mãe. O filme sai dos poros disso. Um enriquece o outro, não reproduz.


***

UM DISCO: e "O Mundo dá voltas", novo e finíssimo disco do Baiana System, hein? Repleto de batuque, brasilidade, latinidade e participações especiais que somam demais. Tem inclusive um lindo "álbum visual" para complementar a audição.


UM FILME: assisti "Conclave" e para além das questões de enfrentamento óbvio e quase caricato entre os cardeais progressistas/liberais e conservadores no seio de um Vaticano em polvorosa para a escolha de um novo Papa - e para além também de algumas surpresas que o filme reserva optando pelo recurso até meio covarde do "plot twist" ou surpresinha na manga, ao final, as atuações de Ralph Fiennes e Stanley Tucci dão um tom seguro e de classe à coisa. Funciona.


UM LIVRO: estou no meio dele. Quando terminar, haverá sinais.

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