- Gabriel
- 14 de fev.
- 8 min de leitura

Essa semana repercutiu aos quatro ventos uma declaração infelicÃssima do presidente Lula sobre o Ibama e a exploração de petróleo na região conhecida como 'bacia amazônica'.
E ontem um cara veio me xingar na internet de um jeito que ainda não sei se é a versão mais agressiva de uma manifestação passivo-agressiva ou se fora a ocasião mais passiva de uma ideia de agressão. Não foi nada demais, nem das piores - até porque apesar de ser muito verborrágico nas redes, de não procurar separar perfis profissionais/acadêmicos/pessoais e de ter um podcast semanal de audiência nacional, eu costumo ser um alvo fugidio desse tipo de coisa (e desinteressante para esse tipo de gente), e muito pelo que irei propor aqui, nessa postagem.
Os dois fatos estão conectados, dado que a - digamos - advertência que sofri se deu por ele não gostar de me ver criticando, de modo amargo, a fala de Lula (que, ainda que sem a mesma intenção e caráter, poderia muito bem ser dita por escroques como o ex-Ministro Ricardo "Passar a Boiada" Salles a respeito de que o Ibama, ora vejam, ao fazer justamente o seu trabalho, estaria "...atrapalhando o governo"). Sucedeu que o camarada disse que eu (e outros que aderiram, engajaram ou mesmo concordaram com a crÃtica) deverÃamos levar "mais um governo Bolsonaro no rabo (sic.)", suscitando que o melhor, nessa ocasião, seria engolir a crÃtica para não dar vazão 'aos inimigos' ou algo que o valha.
Não quero falar sobre Lula, aqui (o tema é outro), mas como disse no próprio post, no Bluesky, 'engulo', polÃtico-estrategicamente, várias coisas, cotidianamente. Sou fã da governabilidade, da retranca, e acho que há muito gritinho e esperneio supostamente de 'vanguarda' na telinha das redes sociais que é um exercÃcio infantil de falta de cabimento. Mas quando Lula (veja bem, Lula) propaga uma ideia que poderia, simetricamente, ser propagada por qualquer ruralista da direita mais tosca, palavra por palavra, é complicado não poder ponderar que foi algo de tom bem ruim.
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Enfim.
Lido com interações internéticas (aqui fala um soldado atuante na era dos blogs dos primeiros anos deste milênio) há muito tempo - ainda que a intensidade da questão a partir do modelo de redes sociais como 'a internet', em si, trouxe outras questões e visivelmente alterou o modo de ser e estar das pessoas sob a face da terra de um jeito que jamais se sonhou antes ser possÃvel.
Gostaria de ir um pouco mais além na reflexão - e o faço, abaixo - mas, se você está sem tempo, um tutorial de poucas linhas:
Minha atitude em relação a um desaplaudidÃssimo sujeito que fica provavelmente caçando 'topics' para se inserir raivosamente em discussões quixotescas e energizando rivalidades unilaterais fugazes (literalmente: não sem quem é e nem sabia que existia o amigo)? Simples, em três etapas, para redes que obedecem esquema similar (como no caso do Bluesky na mesma toada e com ferramentas similares à s do antigo Twitter):
Não responder absolutamente nada. Absolutamente nada mesmo. Promover o vácuo total (opcionalmente seguido por um "pfff" de lábios mal fechados e/ou pelo famoso 'arzinho' saindo do nariz);
'Bloquear' (a medida n.1 costuma ser por si só eficaz, mas se livrar definitivamente de interações ainda que de revesgueio ou por engano com pessoas assim é prático, idem);
Opcional: usar o mecanismo de "ocultar a resposta" para limpar restos de sujeira aparentes deixados pela mala e não perturbar ou feder o ambiente para as interações construtivas e bem vindas no post e seu véu de noiva que por vezes se estende por léguas (e para - há que se confessar - imaginar a pessoa se remoendo pela ausência de buzz de sua patética contribuição-isca).
Ou, ainda, em uma frase que li em um texto do jornalista e professor Juremir Machado da Silva, certa vez, que guardei em mim como mantra: não dê carona.
O triunfo e a glória das redes sociais residem em capturar nossa letargia aglutinada à atenção a efemeridades supérfluas, mas não há que se desprezar peça fundamental nessa captura que é a irresistÃvel tração opinativa/declaratória/auto confessional que não raramente vem sob a forma de conflito: em meio ao turbilhão de gente cavando um espaço apertado na prateleira da exposição visando gerar algum tipo de interesse para si, pessoas se desesperam para, não rara e velozmente, insultar outras dizendo (em um visÃvel paradoxo) que com algo que fora postado "ninguém se importa" (esse poderia ser a imagem do ouróboro do uso destrutivo das redes, em um cenário).
Iscas ofensivas para gerar discussões (geralmente inúteis e desproporcionais) e alimentar pequenas grandes batalhas entre desconhecidos que passam a não ter entre si nenhuma mediação senão por um tipo de ranço que pode (e muitas vezes, invariavelmente) escalonar para algo como um inacreditável ódio efetivo são o modus operandi de uma sortida e incrÃvel quantidade de desocupados e mesmo viciados em sua lida diária nas coxilhas virtuais das redes.
Dito isso, alguém pode (seja com sinceridade questionadora, seja maliciosamente, visando justamente a brecha para mais alfinetadas que sustentam viva a chama do conflito) perguntar se não estou propondo uma 'internet' (redes) que fuja de interações, alteridade, choques de opinião (potencialmente benéficos), diálogo, e polÃtica, em última instância. Definitivamente: não.
São coisas bem diferentes uma discussão em uma arena mais ou menos aberta e permeável ou mesmo uma conversa ocasional no estilo de uma fila de banco ou um fumódromo de festa - em versões cyber - e uma espécie de ingresso em uma arena virtual nos moldes daquela alegoria apresentada no filme Tron, onde os seres renderizados estavam como que não voluntária nem intencionalmente disputando uma olimpÃada de vida e morte com a adesão como única possibilidade.
Suscitar um dado, informação, tese cientÃfica, resultado de pesquisa ou opinião deve (e em alguns casos, precisa) poder gerar interlocução, respostas, contrapontos e checagem. Mentiras e desinformação deliberadas que causem prejuÃzos devem ser confrontadas e neutralizadas, sempre que possÃvel.
Porém, há um limite para um certo tipo de crÃtica: há pessoas que creem piamente que uma postagem nas redes é como uma ponte de madeira no Japão medieval ou um salloon de faroeste onde, por algum motivo por vezes nem bem determinado, alguém te chama para um duelo ou disputa onde você não teria de fato a opção de dar de ombros e aplicar um 'sai, maluco' (o corpo fala) ou mesmo categoricamente dizer que não está interessado. Ou, mais, ainda: uma luta de boxe onde o oponente avisa que, em uma peculiar regra aplicável só ali, você seria obrigado a subir no ringue para apenas apanhar e tentar esquivas, sem possibilidade de atacar - ou mesmo de se declarar desinteressado.
"Aceitar crÃticas" não é o mesmo que se mostrar passivo diante de pessoas que querem muito mais algum tipo de espaço para propagandear o seu próprio 'produto' do que colaborar com algum tipo de discussão de valor.
Dito isso: duas coisas fundamentais eu posso deixar a vocês
a) Afaste-se do "gay de comedia ruim"
Estou plenamente convencido de que não preciso dar qualquer tipo de importância para 'crÃticas' que irrompem, fiscalizadoras, mormente por pessoas que dizem gostar (de meu trabalho, minhas colaborações, minhas opiniões, etc.), mas, que, incrivelmente (...) transmutam esse "gostar" numa espécie de passaporte para só falar mal quando bem entendem. É como o (engraçado, até, na ficção, mas, convenhamos: desagradabilÃssimo na vida real - conheço alguns) "gay sarcástico de produções audiovisuais clichê": uma figura arquetÃpica de amigo de protagonista cuja função é divertir o público contextualizadamente ao passar o tempo todo dizendo barbaridades ofensivas sob o signo de ser uma espécie de compliance da(o) personagem central, escorado na (suposta) amizade como um wild card para ser cruel de forma impune e constante. A pessoa diz que 'gosta' (de você/seu trabalho/sua produção/suas opiniões)? Interessante: esse 'gostar' se perfaz em um elogio ou estÃmulo involuntário e autêntico, em um incentivo inesperado, por vezes, ou é um 'gostar' que é mero passaporte para crÃticas e embargos, a todo momento? Há algum tempo mantenho uma filosofia que parece cÃnica, mas considero segura: quer me criticar? Faça login. Não tenho tempo a perder com aventureiros desconhecidos caçando briga e com gente que pensa que intimidade é porta aberta para arrastar para baixo o tempo todo. Mereço um elogio, volta e meia? Pois dê. O faça. Mereço um toque, muitas vezes? You're welcome, mas faz valer esse 'gostar', aÃ. Do contrário, parece que só estou acessÃvel para ser seu saco de boxe. Não estou. Deliberadamente não estou e, melhor: não tenho que estar.
e, especialmente, b) "Não dê carona"
Essa vem diretamente da era "de ouro" dos blogs e suas terrÃveis "caixas de comentários".
Foi a receita que o Juremir apregoou certa vez para lidar com os haters e caçadores de batalhas inúteis - e também, especialmente, com aqueles que querem usar a sua plataforma/espaço/post para gerarem engajamento para si próprios.
Não há obrigação alguma de você ostentar no seu espaço uma espécie de crÃtica tal uma doença autoimune de alguém que solenemente exige algo como um 'direito de resposta' tal e qual na Justiça Eleitoral. A sua opinião não precisa carregar uma glosa feita 'pela comunidade' em temas que dizem exclusivo respeito ao que você pensa ou acha. Ao ser criticado por ter deletado comentários de enfezadinhos-odiadores desgostosos com sua verve polÃtica que inundaram comentários de seu blog, à época, Juremir foi ácido na medida certa: não é obrigado a fazer publicidade para quem está contra o seu próprio produto. Não é obrigado a carregar o 'oponente' na garupa. Não tem que dar carona.
Em última análise a resposta que parece até mesmo mais infantil e simplista segue, sim (incrivelmente) valendo: as pessoas têm que aprender que em algum grau, não resta opção senão exporem as suas opiniões e filosofias no espaço/post/perfil/site que lhes cabe. Não: você não tem nenhum direito absoluto de vir no meu "requerer" aparte. Quanto a nada. Posta no teu perfil, irmão. Faz o teu podcast, querida.
Sem carona hoje.
(Alguém mais cronicamente online e fraco em relação à tentação poderia simplesmente responder, ao babaca, lá de cima do texto: "Nossa, que opinião interessante, você deveria postar ela para seus 14 seguidores apreciarem". Mas, acredite: o silêncio é melhor para você. E uma adaga mais dura para esse tipo de cretino).
UM FILME: assisti a "O Auto da Compadecida 2". De ruim, é preciso que se diga que é um mero exercÃcio de expansão - tal como um epÃlogo bônus - do primeiro (esse, o '2', já não é baseado diretamente em alguma obra de Suassuna, e sim na ambientação dela). Não para muito em pé e o seu clÃmax é inexplicavelmente idêntico ao do primeiro, o que é bem broxante. De bom: ora, quem não quer um epÃlogo para mais um pouco de Chicó e João Grilo? Os cenários assemelhados a um palco de teatro e as atuações de simplesmente todas as pessoas em tela são dignas de troféu.
UM DISCO: vi ontem (13.02) no Bar Opinião, em Porto Alegre, o show comemorativo de 30 anos do disco "Da Lama ao Caos", da Nação Zumbi. Não só por ter vivenciado, na época o estouro inicial dessa banda de quem sou, fui e sempre serei fã, e ter relação afetiva com o disco, mas por enfatizar que seu impacto segue vivo até hoje. O maracatu lido sob uma lente punk, riffs dentre os mais fortes já produzidos pelo rock nacional, uma proposta de discurso e cosmovisão brasileirÃssima e cosmopolita e letras certeiras que parecem agora estar atingindo a cronologia tempo-espaço, de tão avançadas à época. Fiquemos com esse.
UM LIVRO: estou enrolando para começar o mais recente do Murakami, enquanto isso ando lendo uma coletânea de artigos do A. Negri sobre sua visão do pensamento de Deleuze e Guattari (nada que vocês vão querer saber).